quinta-feira, 11 de julho de 2024

ARTIGO - FORMAÇÃO SÓCIO-ECONÔMICA DE UM BRASIL AGRÍCOLA

 FORMAÇÃO SÓCIO-ECONÔMICA DE UM BRASIL AGRÍCOLA[1]

 

Juliano de Moraes de Aguiar[2]

                                  

RESUMO:

O artigo trata de reflexões acerca da evolução da agricultura brasileira ao longo da formação da sociedade brasileira. São analisadas as formas como essa agricultura foi implantada neste país, as funções geradas a partir daí e, as repercussões econômico-sociais concentradoras da renda, que o modelo agrícola implantado no Brasil trouxe para o povo brasileiro.

 

PALAVRAS-CHAVE:

Espaço Agrário Brasileiro, Geografia Agrária, Agricultura Brasileira,

Brasil Agrário.

 



[1]  Artigo apresentado na disciplina de Geografia da Agricultura Brasileira, sob a orientação da profª. Drª. Giancarla Salamoni.

[2]  Aluno (a) do curso de Pós-Graduação em Geografia - Especialização - 2006 - ICH - UFPEL. aguiarjuliano@yahoo.com.br



1 – INTRODUÇÃO

 

      No Brasil, as mudanças no espaço agrário na virada de milênio são semelhantes às ocorridas entre anos de uma mesma década. Porém, entrar num novo milênio, significa acima de tudo, renovar as esperanças de que mudanças poderão transformar a sociedade. “O século XX foi um século de morte e abandono de velhas utopias e foi, ao mesmo tempo, um século em que se plantaram novas utopias”. ( ANDRADE, 2002, p. 12 )

      Dentre as novas utopias destacam-se o ambientalismo e a supervalorização do mercado. Na visão de Andrade (2002), essas novas utopias provocam exageros que, ao chegarem a um nível extremo irão provocar cenários de tensão e retrocesso evolutivo. Com relação ao ambientalismo, Andrade, critica o exagero de fundamentações que querem transformar grandes porções da Terra, naquilo que ele chama de “Santuários Ecológicos”. Ademais, o autor evidencia que essa utopia esta ligada também a Globalização e ao Neoliberalismo, pois, o bem estar e a renda concentram-se cada vez mais nos paises ricos que, para chegarem a esse patamar degradaram o seu meio ambiente e, ao atingirem a riqueza criam teorias para que os países pobres protejam o ambiente, evitando assim a possível concorrência e, estagnando-se no subdesenvolvimento passando a permitirem a exploração de seus recursos por potências hegemônicas. A super-valorização do mercado, como mentor das relações humanas, gera o fantasma da concentração da renda que tende, pouco a pouco, a separar a humanidade e provocar novas lutas e catástrofes.

                                                                                             

Da mesma forma que no século XIX procurava-se enaltecer o progresso, afirmando que este resolveria todas as pendências, sofisticando a civilização, no fim do século XX procura-se deificar a tecnologia em função do que chamam de modernidade, já se falando até em pós-modernidade. ( ANDRADE, 2002, p. 12 )

                                              

      Atualmente, os teóricos modernistas e, portanto, dominantes, consideram que a tecnologia e, a produção e reprodução desta que alimenta o mercado, irá resolver os problemas sociais. Na verdade essa idéia está equivocada e, nesse caminho linear o homem correria em “direção a um ponto no qual ocorreria o fim da história”. ( FUKUYAMA apud ANDRADE, 2002, p. 12 ). A evolução da humanidade deve ser diferenciada, ou seja, de maneira equilibrada, de modo que, ocorra avanços e retrocessos que enriqueçam o processo numa constante interligação entre a tradição e a renovação. Em síntese, o homem para evoluir enquanto ser deve evitar a supervalorização do mercado, pois, este sobrepondo-se ao humano tende a desequilibrar as relações através da concentração da renda e provoca guerras que, significam um retrocesso a idades primitivas.

      Quanto ao Sistema Agrário Brasileiro, este é caracterizado pelas Velhas Formas que impedem a formação de Novas Funções. As Velhas Formas exploratórias portuguesas, herdadas das Sesmarias, que deram origem ao Latifúndio e a concentração do poder nas mãos de poucos. Essa Velha Forma, que permanece devido a não consolidação da Reforma Agrária, caracteriza-se pela exploração dos recursos e dos cidadãos brasileiros por poucos, para o enriquecimento próprio e de nações estrangeiras aliadas, em detrimento do povo. Essa Velha Forma, inibe a formação de uma Nova Função, ou seja, de um mercado interno sólido que poderia alavancar o verdadeiro desenvolvimento do Brasil. A Reforma Agrária seria a maneira de mudar a Velha Forma produzindo uma Nova Função, ou seja, uma agricultura mais dirigida para o fortalecimento do mercado interno, com diversificação de produtos, com sustentabilidade ambiental, social, econômica, política, em detrimento da monocultura latifundiária exploratória exportadora.

      As idéias reformistas do Setor Agrário foram de pouco sucesso e muito combatidas no final do Império e durante a República Velha. Só após 1930 é que se difundiu as Novas Formas – Propriedade Familiar, Cooperativa e Coletiva – que, passaram a dar Nova Função ao Setor Agrário. Nesse contexto mais atual, é que surgiram novas maneiras de se fortalecer a luta pela Reforma Agrária, como por exemplo, o MST e outras ligas camponesas.

      “A extensão territorial do Brasil dificulta a apresentação de um quadro onde sejam definidas as formas e as funções da propriedade agrária”. (ANDRADE, 2002, p. 16). Devido a extensão do Brasil, existem numerosas Formas e Funções, Velhas e Novas que, mantém-se através dos tempos, já que, este território grande é um dificultador para inovações. Nesse cenário, a expansão da Fronteira Agrícola para o noroeste do país é impregnada de Velha Forma, pois, o governo apóia e subsidia a exploração de novas áreas por grandes empresas, na sua maior parte de natureza latifundiária exportadora. Já no nordeste, ocorre o processo inverso, o tão tradicional Latifúndio exportador está cedendo lugar a Novas Formas e Funções, com a divisão das grandes propriedades e a diversificação da produção.

      Parece, que com a histórica Política Agrária Brasileira, é necessário primeiro empobrecer e explorar uma região, como o nordeste no passado e o noroeste atualmente, para posteriormente, tentar reestruturá-la democratizando o acesso à terra, como atualmente ocorre no nordeste.

      Nesse contexto, cabe lembrar, porque algumas sociedades antigas e atuais foram bem ou mal sucedidas na resolução de seus problemas ambientais e, conseqüentemente, na resolução de seu desenvolvimento e sustentabilidade.

      De acordo com Diamond ( 2005 ), os problemas ambientais mais sérios enfrentados tanto no passado como atualmente, recaem sobre uma dúzia de grupos. “Os primeiros quatro dos 12 consistem na destruição ou perda de recursos naturais; os três seguintes envolvem limites de recursos naturais; os outros três consistem em coisas perigosas que produzimos ou transportamos; e os dois últimos são questões populacionais”. ( DIAMOND, 2005, p. 581 ). Oito desses grupos eram significativos no passado, enquanto que quatro, são problemas ambientais modernos. O que se extrai das afirmações deste autor é que, tanto no decorrer da evolução das sociedades passadas, como no desenvolvimento das atuais sociedades, existe um exaustivo e intenso processo de degradação do ambiente que, em longo prazo torna insustentável o estilo de vida adquirido com a evolução das novas tecnologias. A natureza impõe limites de exploração de seus recursos e, estes não são conhecidos e, nem ao menos levados em conta no decorrer da evolução de cada sociedade. Esses limites sempre são ultrapassados pelo homem, fato que, resulta em um “alto preço” a longo prazo, cobrado pela própria natureza, pois, sempre após o auge da evolução de cada sociedade, esta entra em um acelerado processo de declínio, já que, o modo de vida adquirido é insustentável. O homem, mesmo com seu elevado nível de inteligência, não consegue vencer seu próprio instinto auto-destrutivo, ou seja, não consegue viver de maneira sustentável, pois, seus sistemas de vida sempre tendem a concentrar mais recursos do que o necessário para a sobrevivência em cada sociedade. O sistema capitalista atual trata-se de uma nova versão de sistemas antigos que, concentravam riquezas nas mãos de poucos a um custo de intensa exploração insustentável dos recursos e, levaram tais sociedades ao colapso. Nesse cenário de falsas afirmações de que a Terra ainda comporta um numero maior de seres humanos, pouco se valoriza as premissas de alguns autores de que, no nível atual de evolução, com o estilo de vida do primeiro mundo, que é repassado mecanicamente ao terceiro mundo, a vida humana está com os dias contados sobre a Terra, pois, no passado algumas sociedades atingiram o apogeu e, depois com a exaustão de seus recursos entraram em colapso ate a extinção. No entanto, deve-se levar em conta que tais colapsos deram-se em uma escala local, visto o isolamento em que se situavam, porém hoje, com a Globalização, quando o homem exaurir os recursos da Terra certamente entrará em recessão acentuada, com a proliferação de Guerras até o colapso total. No passado as sociedades se auto-destruíram, não explorando seus recursos racionalmente, mas, como a escala de exploração era local a humanidade sobreviveu e passou a explorar outras áreas, porém, se o homem agora degradar demasiadamente a natureza certamente desaparecerá, já que, a Terra é o único lugar habitável conhecido. Assim como o progresso não resolveu os problemas da humanidade, a tecnologia também não os resolverá, pois, se ela foi feita para resolver os problemas atuais certamente trará como conseqüência outros problemas desconhecidos. O homem sempre age como se pudesse viver desconexo da natureza e, por isso, sempre busca levar um nível de vida que a natureza jamais poderá comportar.

      No entanto, os problemas com os quais estamos a cada dia nos deparando não são insolúveis. Resta aos educadores, intelectuais e, a cada cidadão consciente, disseminar idéias sustentáveis de desenvolvimento de maneira a sensibilizar e, adquirir o apoio da opinião pública para pressionar as autoridades, tanto em nível local, como global, a instaurar modelos e formas de vida racionalmente equilibradas com os recursos disponíveis, para que, a vida no planeta possa ser desfrutada pelas futuras gerações. É preciso criar uma opinião de que o momento atual é crucial, para que se possa retroceder no nível de vida degradante e, permitir a existência humana futura.

 

2 – A AGRICULTURA BRASILEIRA NO ESPAÇO E NO TEMPO

 

      A formação colonial brasileira, de acordo com Hirano ( 1988 ), está baseada nas teses do capitalismo e, do não capitalismo, que se divide nas variantes feudal-tradicional e feudal-marxista-ortodoxa. Entre as duas últimas situa-se pré-capitalista que afirma não ser a sociedade colonial nem feudal, nem capitalista.

      A tese do capitalismo diz que, ao aceitar o sistema capitalista desde sua gênese, portanto antes do advento da abolição do escravismo, o Brasil-colônia passa a ser uma economia capitalista periférica, com os setores de produção instalados no litoral visando o mercado externo. Esta concepção diz que o Brasil seria a periferia do sistema capitalista europeu em ascensão, e por isso, subordinada a este desde sua implantação. Essa tese reduz o trabalho escravo a uma modalidade do capital variável. O senhor e as raízes culturais implantadas aqui, segundo esta tese, afirmam que a colônia estava interligada ao capitalismo europeu, na condição da periferia deste. A abolição nessa proposta não foi uma espécie de revolução burguesa necessária para se migrar de um sistema arcaico para outro, mas sim, uma etapa mais avançada do processo capitalista da colônia visando uma maior rentabilidade do trabalho assalariado e a formação de um mercado consumidor de manufaturados europeus.

      Já a tese do não-capitalismo, “acorda com o que Marx afirma ao desenvolver a tese de que a acumulação originária - primitiva - é anterior a acumulação capitalista (...), uma acumulação que não decorre do modo capitalista de produção, mas é o seu ponto de partida”. ( HIRANO, 1988, p. 28 ). Essa acumulação resultante da relação comercial e da exploração da mão-de-obra escrava, é anterior à acumulação capitalista, advinda da mais valia, que é o excedente extraído do trabalho assalariado, principalmente através do prolongamento da jornada de trabalho. Nesse sentido, essa acumulação não decorre do modo capitalista, mas é o seu ponto de partida, assim sendo, essa acumulação não é capitalista, mas sim pré-capitalista, porque prepara a transição do mercantilismo para o capitalismo.

      Dentro da tese do não-capitalismo, na variante do feudalismo diz-se que as concessões outorgadas pelas Capitanias era uma extensão do feudalismo de Portugal e, que embora esse sistema estivesse em decadência nesse país era o mais vantajoso para explorar a colônia e enriquecer a metrópole.

      Ainda dentro da variante do não capitalismo tem-se a tese de que a colônia não era nem feudal, nem capitalista. Nesse sentido seria um novo modo de produção existente apenas na América do Sul, mais exatamente no Brasil. Segundo Gorender ( 1978 ), a Plantation, que ele chama de Plantagem, foi a forma de organização dominante do escravismo colonial. Segundo esse autor, todas as unidades produtoras não plantacionistas e todas as formas econômicas, se modelaram à economia de plantagem que, traduziu-se no novo modo de produção.

                                              

A estas determinações gerais e, portanto, extremamente abstratas, da plantation, enquanto modalidade econômica dominante no escravismo colonial, atribui-se uma tal dimensão e uma tal potencialidade, que as tornam elementos constitutivos de um modo de produção, o escravista colonial. O modo de produção escravista colonial é a plantagem, isto é, o conceito de plantagem dispensa o de modo de produção. ( HIRANO, 1988, p. 42 )

 

      A Plantagem seria assim, um novo modo de produção voltado para mercado externo e, justificada pela demanda deste. Sua função primordial não consiste em prover o consumo dos produtores, mas sim abastecer o mercado mundial. O trabalho escravo não permitiria a formação de um mercado consumidor para estes produtos, tornando assim este modo de produção extremamente explorador, tanto dos recursos brasileiros, como da mão-de-obra, em favor das nações mais desenvolvidas.

      Com relação à formação do Brasil Contemporâneo, Caio Prado Júnior ( 1999 ), faz uma análise com especial estudo sobre a formação da agricultura brasileira dividida entre, de um lado, a grande lavoura e, de outro, a agricultura de subsistência. A agricultura, para este autor, é o nervo econômico da civilização e, excluindo o insignificante ciclo do pau-brasil, é com ela que se inicia a colonização do Brasil.

      Como no Brasil foi instaurado uma colônia de exploração, voltada para os interesses da Metrópole, a grande lavoura teve terreno fértil para sua expansão, numa colônia dividida em Capitanias, baseada no latifúndio agrário exportador, que poderia ser melhor designado como “explorador”. A mão-de-obra gratuita dos escravos, aliada as terras férteis e abundantes e, o desejo de enriquecimento, através da exploração, fizeram com que a colônia brasileira, desde muito cedo, fosse inclusa no mercado mundial, como fornecedora de riquezas e matérias primas. A grande lavoura exportadora, como é sabido, trouxe consigo o fantasma da concentração da renda nas mãos de poucos, em detrimento da formação de um mercado consumidor interno forte que pudesse gerar o desenvolvimento da colônia. Não obstante, esta é a causa do Brasil, mesmo atualmente, ter seu litoral mais populoso que as demais regiões interiores. Isto demonstra que, historicamente este território esteve com seu desenvolvimento voltado para o mercado externo. Não fosse a mineração e a pecuária, “só a agricultura, a colonização não teria penetrado o interior; e é por isso que até o século XVII os portugueses continuavam a ‘arranhar o litoral como caranguejos’”. ( CAIO PRADO JÚNIOR, 1999, p. 133 ). Conforme disse o autor, somente a agricultura não teria povoado o interior da colônia, uma vez que, era o litoral o local de mais acessibilidade para a exportação. A cultura da cana deu-se sempre no litoral devido aos solos e a facilidade para a exportação, a exceção é a monocultura do algodão que devido aos solos passa a localizar-se mais para o interior. Tanto a monocultura da cana, como a do algodão estiveram ligadas a demanda internacional, sendo o açúcar artigo de luxo na Europa enquanto o algodão serviu de matéria-prima para a indústria inglesa em ascensão. A grande lavoura trouxe como conseqüências a pobreza e a miséria, como é o caso do nordeste atualmente, pois, esta monocultura exportadora tem como função primordial a exploração da região para o enriquecimento externo.

      Ao lado da prioritária monocultura exportadora, desenvolveu-se uma agricultura com a função de abastecer de suprimentos as populações coloniais. Porém sua distribuição também está ligada a grande lavoura, uma vez que, na maioria dos casos, esta agricultura localiza-se dentro dos domínios dos engenhos e das fazendas e serve para manter os mesmos. As zonas urbanas, em certos momentos dependia da importação de suprimentos, já que, a agricultura local era destinada ao exterior e não produzia excedentes alimentares suficientes para as cidades. A agricultura de subsistência estava em segundo plano e, a cada alta dos produtos exportáveis era abandonada causando o desabastecimento da colônia. A localização dessa agricultura se dá nas zonas marginais da grande lavoura, assim como, nas proximidades das cidades as quais serve em terras desgastadas pela grande lavoura. Essas cidades, também localizam-se em “centros de grande lavoura; resultam aliás da presença destas grandes lavouras, únicas atividades capazes na colônia de provocar a formação de aglomerações urbanas de certo vulto”. ( CAIO PRADO JÚNIOR, 1999, p. 160 ). O fato dessa agricultura de subsistência ser tão menosprezada na colônia fez com que essas populações convivessem com o fantasma da fome.

      É graças a essa organização agrária que, mesmo futuramente o RS foi considerado o Celeiro do Brasil, devido a sua colonização diferenciada. É desses tempos remotos que brotaram as raízes da concentração da renda, do subdesenvolvimento e do fraco mercado interno brasileiro.

      Com relação à formação da agricultura brasileira, outra grande problemática enfrentada, durante o Brasil-Colônia, foi à mão-de-obra escassa para o trabalho agrícola.

 

O primeiro censo demográfico, realizado em 1872, indica que nesse ano existiam no Brasil aproximadamente 1,5 milhão de escravos. Tendo em conta que o número de escravos, no começo do século, era de algo mais de um milhão, e que nos primeiros cinqüenta anos do século XIX se importou muito provavelmente mais de meio milhão deduz-se que a taxa de mortalidade era superior a de natalidade. ( FURTADO, 1980, p. 117 )

 

      Tal situação se explica pela condição precária a que o escravo estava exposto na Plantation, ao contrário dos escravos norte-americanos que, devido a estarem em propriedades pequenas onde a qualidade de vida era melhor, tinham um grande crescimento vegetativo.

      O problema central era que para aumentar a produção tinha-se que explorar ao máximo a mão-de-obra, já que, terra tinha-se em abundância. O que agravou o problema foi à divisão de Sesmarias, pois, esta prática concentrou a propriedade nas mãos de poucos que, para enriquecerem usaram grandes propriedades em um nível de grande exploração dos escravos, não permitindo uma agricultura de subsistência adequada para suprir a demanda por alimentos e a melhora da qualidade de vida. Com a escassez de braços para a lavoura e, a difícil adaptabilidade na Plantation da força de trabalho disponível nas cidades e na agricultura rudimentar de subsistência, criou-se a idéia de que não se tinha outra saída para o problema a não ser importar estrangeiros para o país. A imigração foi estimulada para o Brasil assim como ocorrera nos EUA, porém, nos Estados Unidos não era para suprir falta de mão-de-obra. Inicialmente esses imigrantes não resultaram em mão-de-obra para a Plantation, pois devido às precárias condições a que foram expostos, involuíam para uma atividade de subsistência. A classe burguesa cafeeira percebendo que a imigração governamental não contribuía para solucionar o problema, tratou de contratar colonos na Europa, entretanto, o sistema também não deu certo porque foi rotulado como uma escravidão disfarçada. A imigração só se efetivou com sucesso quando, em 1870, o Governo Imperial passou a cobrir os gastos da viagem dos imigrantes e, a elite cafeeira a garantir a instalação por um ano e a destinar uma roça para que o imigrante pudesse cultivar seus produtos básicos. Aliado a essa nova política de imigração, outro fator que contribuiu para o sucesso foi a unificação italiana, que provocou profundas conseqüências econômicas negativas naquele país estimulando seus habitantes mais atingidos a emigrar para o Brasil.

      Aliado a imigração de origem européia, também se efetivou uma migração interna de população do nordeste para a Amazônia. Milhares de pessoas transferiram-se do nordeste para a região amazônica para a extração da borracha, indicando assim que, a mão-de-obra para a lavoura cafeeira já existia dentro do país antes mesmo da imigração estrangeira e, provavelmente, foi reservada intencionalmente para essa nova atividade econômica. Na região sul, onde a Plantation não foi acentuada, a agricultura se subsistência alicerçada numa terra abundante e de boa qualidade permitiu um grande crescimento vegetativo que, posteriormente, com a evolução do mercado interno impulsionado pelo café, possibilitou o rápido desenvolvimento da região.

      As duas correntes de população foram diferenciadas, enquanto o imigrante europeu teve assistência governamental e dos cafeeiros, os nordestinos que foram para a Amazônia foram expostos a condições extremamente precárias, pois, o trabalhador “começava a trabalhar sempre endividado, pois via de regra obrigavam-no a reembolsar os gastos com a totalidade ou parte da viagem, com os instrumentos de trabalho e outras despesas de instalação”. ( FURTADO, 1980, p. 134 ). Este fator diferenciador de instalação dos colonos nordestinos, ocasionou um péssimo desenvolvimento humano e econômico da região, numa economia que apenas necessitava distribuir sua excedente mão-de-obra de um local para outro internamente, sem imigração estrangeira.

      Quanto à abolição da escravidão, o temor era de que o escravo ao ser liberto se dedicasse a subsistência diminuindo a mão-de-obra disponível. No entanto, a Lei de Terras de 1850, anterior, portanto, à abolição, tratou de dificultar essa possibilidade, uma vez que, mesmo liberto o ex-escravo teria que trabalhar para o patrão por um baixo salário para sobreviver, eximindo este último dos gastos com sua alimentação. Essa impedição à propriedade da terra por posse, possibilitou que fosse possível criar um “mascaramento” de liberdade no Brasil com a abolição, sem que, a estrutura principal de produção fosse alterada.

      Existem ainda, outras questões ligadas ao desenvolvimento da agricultura brasileira ao longo do século XIX, no que diz respeito à organização e principalmente, ao uso da mão-de-obra existente na época. Embora servil, essa mão-de-obra não apresentava grandes resultados econômicos para o país, já que, o escravo não trabalhava estimulado, por ser uma espécie de “mercadoria”. O fim do escravismo e a implantação do trabalho livre deram-se de maneira simultânea e inter-relacionada. A mão-de-obra era escassa e, para que se seguisse à tendência mundial de erradicação do escravismo, o país necessitava de outra forma de trabalhador barato. Foi então que se começou a implantar o trabalho livre e, proporcionalmente, erradicar o escravo, de maneira que a grande lavoura dispusesse de mão-de-obra suficiente. A escravidão sempre fora a base da sociedade brasileira, sendo tão imprescindível que não foi alterada nem mesmo com a Independência do Brasil. A abolição teve sua gênese com a proibição do tráfico negreiro em 1850, porém, só se efetivou totalmente em 1888.

 

Essa demora foi devida em boa parte à reativação e ao redirecionamento da economia primário-exportadora, por meio da expansão da cafeicultura. [...] Foi ela que, em última análise, propiciou o revigoramento do trabalho servil em nosso país, numa época em que ele estava sendo erradicado no mundo todo. ( SZMERECSÁNYI, 1990, p. 30 )

 

      Aliado à expansão da cafeicultura, existia também demora na efetivação do trabalho livre suficientemente satisfatório, obrigando assim os produtores, a continuar fazendo uso do modelo escravista.

      A formação de um mercado de trabalho capitalista ocasionado pela abolição, inicialmente só ocorreu em alguns centros urbanos e na lavoura cafeeira do oeste paulista, foi a imigração que, posteriormente, acelerou esse processo. Ademais, para que esse mercado exista é preciso que tenha-se trabalhadores livres e destituídos dos meios de produção. Nesse sentido, aliado à abolição e a imigração de camponeses proletários europeus, a Lei de Terras de 1850 veio a propiciar estas condições, uma vez que, impossibilitou que ex-escravos, proletários imigrantes e nacionais, estes últimos já em grande número na época, tivessem livre acesso a terra, meio de produção tão importante para as sociedades pré-industriais.

      Alguns são os fortes motivos para a resistência do escravismo no Brasil, dentre eles destacam-se a distribuição espacial dos escravos e, a cultura enraizada nacionalmente de status social para o Escravagista. No que diz respeito à distribuição, os escravos estavam mais concentrados nas áreas de lavouras agro-exportadoras, onde chegavam a significar a maior parte do contingente populacional. Estas áreas caracterizavam-se por serem altamente concentradoras do poder econômico e político nas mãos de uma elite minoritária que, resistia muito em libertar sua mão-de-obra servil, por temer uma grande perda de poder ao efetuar-se uma mudança no sistema de organização do trabalho. Ademais, estava implícito na cultura do Brasil escravocrata, uma condição de status social, para todo o homem livre que mantivesse sob seu domínio o maior número possível de escravos.

      Todavia, o problema da escassez de mão-de-obra acentuava-se, já que, tinha-se proibido a importação de escravos e o crescimento vegetativo dos mesmos era negativo. Resulta daí um tráfico interno no país, de uma região estagnada para outra em ascensão. Isso ocasionou uma concentração de escravos maior nos Estados do sudeste que cresciam mais, principalmente, as custas do café. Nesse período, a grande massa de escravos transferiu-se do nordeste para o sudeste, fato que diferencia-se dos anteriores, pela grande intensidade e fluxo. A abolição só começou a ganhar força depois da Guerra do Paraguai, deixando de ser discutida apenas dentro do Parlamento, para tornar-se um ideal, nas mentes de profissionais, pequenos comerciantes e homens livres dos centros urbanos, que não estavam ligados à escravidão. Assim sendo, “não constitui exagero dizer que o abolicionismo configurou o primeiro movimento social urbano de massas no Brasil, nele tendo sido muito importante a participação crescente dos mulatos e negros, livres e libertos”. ( SZMERECSÁNYI, 1990, p.36 ). Foi devido a esses movimentos urbanos que a Lei do Ventre Livre foi promulgada.

      Porém, mesmo com a abolição à condição dos escravos pouco se alterou, pois, estes foram abandonados a própria sorte, sendo dado prioridade para o trabalhador imigrante. Essa política já faz parte do mercado de trabalho capitalista em ascensão, já que, os ex-escravos e proletários livres, passaram a engordar o exército de reserva de mão-de-obra barata a ser explorado eventualmente pela burguesia. Fato semelhante já ocorria antes da abolição com alguns proletários rurais, que plantavam para subsistência e eram aproveitados pela grande lavoura apenas nas safras. Esse não aproveitamento da mão-de-obra disponível internamente repercutirá em problemas futuros que perduram até a atualidade, como por exemplo, o inchaço das cidades com a Favelização. Tanto o problema do descaso com o trabalhador livre nacional, como com o ex-escravo, são repercussões de políticas elitistas no Brasil que, para atender a interesses próprios, alavancaram uma onerosa política de imigração que, serviu apenas para atender os interesses de poucos burgueses, em detrimento dos interesses de desenvolvimento do país, com sérias repercussões tanto nas finanças da nação, como na precariedade da classe proletária brasileira. É evidente que, as políticas brasileiras desde a colonização são de exploração, pois, em momento algum até o século XIX se agiu de forma a desenvolver o país harmonicamente. Grande parte dos problemas atuais, como favelização, alta concentração da renda, desemprego, inchaço urbano, etc; tem suas raízes nas antigas políticas de concentração da terra nas mãos de poucos. A necessidade de uma Reforma Agrária no Brasil, já é a anos gritante, para que este país possa desenvolver-se. Sem dúvida alguma, foram as ações mesquinhas e exploratórias que se desenvolveram no Brasil, desde a colonização, que levaram este país a não desenvolver-se de maneira semelhante aos demais da América.

      Com relação a evolução dos modos de produção nas várias partes do Brasil, onde domina ou dominou a Plantation e seus produtos de exportação, tenta-se discutir e fazer algumas considerações a partir de agora.

      No Brasil, ao contrário da Europa, onde predominava a Agricultura Familiar, foi implantado a Plantation, visto que, o objetivo era explorar a Colônia em prol da Metrópole.

 

A colonização e o povoamento do Brasil, iniciados na quarta década do século XVI, foram feitos visando o abastecimento do mercado europeu, por produtos tropicais e por metais, pretendendo Portugal obter vantagens econômicas como intermediário entre sua colônia americana e aquele mercado. Desfeito o sonho do encontro fácil de metais na costa do Brasil ou de povos com um grau de civilização que permitisse o intercâmbio comercial e que dispuzessem de cidades com riquezas acumuladas que pudessem ser saqueadas, passaram os portugueses a desenvolver no litoral da nova colônia a agricultura canavieira com vistas a intensificar o comércio entre o Novo e o Velho Mundo. ( ANDRADE, 1978, p. 31 )

 

      Para esse sistema de produção tornou-se necessário a escravidão, que não tendo tido êxito com o indígena, foi implantada com o negro. Como a exportação deveria ser feita em grande escala, necessitou-se criar um sistema com grandes unidades produtoras, com numeroso número de trabalhadores submetidos à autoridade de um proprietário. Essas características da agricultura implantada é que demandaram a existência das sesmarias, dos latifúndios e do trabalho escravo. No Brasil o escravismo foi implantado e, tornou-se o modo de produção, dependente economicamente em escala mundial do capitalismo europeu em expansão. Como o Brasil era colônia de exploração, teve um modo de produção arcaico e dependente, implantado desde o início da colonização, com o objetivo de submeter essa Colônia à Metrópole. Enquanto na Europa o capitalismo já estava ascendendo, no Brasil foi implantado propositadamente um sistema que já era ultrapassado. Esse fato aliado às dificuldades em realizar a Reforma Agrária, explica a atual dependência externa do país.

      O sistema escravocrata só decaiu, quando a ampliação da área povoada e, a diversificação das atividades econômicas, passaram a exigir uma maior especialização, melhor qualidade e, maior estabilidade econômica que não ocorria com a agricultura de exportação e a mineração.

      Ao lado da Plantation, surgiu uma agricultura de subsistência formada por uma classe pobre. Aí surgiram outras formas de trabalho que não o escravo, com a função de manutenção e abastecimento do mercado interno. Em alguns casos esses pobres agricultores trabalhavam alguns dias da semana para o patrão por um baixo salário e, dedicavam-se nos demais dias a cultivar suas roças. Em outros casos cultivavam as terras do proprietário sob a condição de dividir a colheita ficando 1/3 ou 1/2 para o dono da terra. “Temos assim um modo de produção que, acreditamos, poder chamar de mercantil simples”. ( ANDRADE, 1978, p. 35 )

      Ultimamente, o modo de produção capitalista acentua-se no campo e o trabalhador rural se proletariza, vendendo sua força de trabalho por um salário geralmente baixo e incerto. A ampliação da agricultura comercial acentua-se, face a fatores como, a mão-de-obra barata, a extensão das terras e, as legislações que visam desapropriar terras improdutivas. Com a proletarização do trabalhador e a acentuação da agricultura comercial, o trabalhador passa a residir nas periferias urbanas e, desempenhar funções como as dos Bóia Fria, legitimando o Êxodo Rural.

      Outro fator que contribui para a decadência da Agricultura Familiar é que, a assistência agronômica e o crédito chegam mais facilmente aos grandes proprietários, visto que, estes tem maior acesso ao banco e oferecem garantias aos empréstimos, enquanto que, os pequenos agricultores, face às dificuldades e obstáculos erguidos à eles, chegam até a temer realizar transações bancárias.

      Todos esses fatores degradantes do meio ambiental e social, provém da agricultura baseada na grande propriedade, que foi introduzida a séculos, com o objetivo de exportar e, continua até hoje, a canalizar as riquezas do Brasil para o exterior em detrimento do povo brasileiro.

 

3 – CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

      No noroeste do RS, particularmente, as transformações ocorridas na agricultura familiar e as estratégias desenvolvidas pelos agricultores para organizarem-se, fizeram desta região, uma exemplar exceção no Brasil. Por estar integrado ao mercado, adotar a especialização deste e, incorporar os avanços da tecnologia esse produtor não é apenas um camponês, no entanto, também não pode ser considerado um empresário capitalista, uma vez que, é o próprio proprietário da terra em que produz, vive dos produtos extraídos desta, não vende sua força de trabalho nem explora outros, já que, utiliza o trabalho familiar. Uma característica bastante peculiar desta região e que, a diferencia da tradicional Plantation brasileira é que, a renda é melhor distribuída entre os trabalhadores e, estes por serem os proprietários dos minifúndios, tem um nível de vida melhor do que os proletários que vendem a sua força de trabalho para a grande lavoura. A policultura alimentar possibilita que estes colonos retirem da terra quase tudo o que dependem para sobreviver, podendo ainda, comercializar os excedentes para incrementar sua renda.

 

Esses colonos tiveram em comum as práticas de uma policultura alimentar, caracterizada, de um lado, pelo cultivo de uma variedade relativamente grande de produtos e pela criação de suínos, gado leiteiro e aves, destinados principalmente ao consumo alimentar dos membros da família e para a comercialização; de outro, pela utilização intensiva do trabalho familiar. ( BRUMER, 1994, p. 91 )

 

      Com isso, esses colonos tornam-se pouco dependentes de políticas governamentais e, independentes da espoliação capitalista burguesa que ocorre na grande propriedade latifundiária. É graças a essa força de trabalho familiar e, ao retorno desta produção minifundiária em prol da família que, estes colonos atingiram um nível diferenciado de desenvolvimento em relação aos proletários da grande propriedade. Nesse modelo de produção, o trabalhador produz seu próprio sustento, conseqüentemente, alimenta-se melhor e produz mais excedentes que, retornarão em benefícios para a família.

      A inserção da soja na região propiciou, um processo de mecanização que reordenou a organização familiar de produção baseada na pequena propriedade. Essa expansão deu-se graças ao estímulo dado pelo governo federal na forma de crédito a baixos juros, que possibilitou a intensificação da mecanização nessas pequenas propriedades. A expansão da soja também estimulou a do trigo que já ocorria anteriormente, já que, foi possível intercalar as duas culturas na mesma área em estações diferentes. A cultura da soja também encontrou facilidades na organização por utilizar as Cooperativas Tritícolas já existentes. A soja cresceu também em produção, graças a altas nos preços no mercado internacional até a década de 70, ao qual se dirigia grande parte da produção. Porém posteriormente, as condições de produção da soja declinaram e, as cooperativas e os órgãos de extensão, passaram a estimular a diversificação da produção com a criação das agroindústrias de processamento. O fator que mais dificultou a generalização da empresa capitalista na região foi o tamanho pequeno das propriedades rurais e, as dificuldades dos produtores na aquisição de tratores e máquinas, aliado ao fato de que, o grosso da produção era baseado na mão-de-obra familiar. Junto a isso, a cultura da soja encontrou regiões bem mais favoráveis ao seu desenvolvimento no centro-oeste brasileiro. No entanto, a cultura da soja e do trigo não desapareceu, visto que, é uma complementar alternativa de renda da produção familiar, podendo obter-se uma intensificação do uso da terra com a produção da soja no verão e do trigo no inverno.

      A diversificação da produção significa para os agricultores uma forma de economia de recursos, uma vez que, tornam-se menos dependentes do mercado com a policultura e, com menor risco de contrair dívidas, ao mesmo tempo em que podem obter uma intensificação do trabalho familiar com maior fixação dos membros na propriedade rural. Aliado a menor dependência para a manutenção da família com a policultura, alguns poucos agricultores desenvolveram uma outra maneira de incrementar a renda familiar através da aquisição de máquinas agrícolas com os créditos agrícolas. Além de usarem as máquinas no estabelecimento e ganhar tempo e produtividade, é possível alugar essas máquinas e algum membro familiar para outras propriedades e, assim maximizar a renda da família através da intensificação do fator trabalho. Esta renda permite o complemento do pagamento das máquinas e, pode ser considerada como uma espécie de renda empresarial, já que, para ser considerado “trabalho assalariado”, “enfrentaríamos a paradoxal situação de que é assalariado aquele que detém os meios de produção”. ( LOVISOLO apud BRUMER, 1994, p. 104)

      Foi graças à expansão do trigo e da soja e, as estratégias dos agricultores que foi possível a consolidação de produtores familiares modernizados, com alto nível de mecanização e produtividade física do trabalho. Entretanto, a penetração capitalista não foi completa graças a pouca utilização de mão-de-obra assalariada. Mesmo assim, o processo não foi homogêneo, criando diferenciações entre os produtores que tem e, os que não tem acesso livre ao crédito, a aquisição de novas terras e maquinários.

      No Brasil, ao longo do século XX, ocorreram inúmeras mudanças sociais. Inicialmente, temos a migração da população rural para as cidades, sendo que por volta de 1940, 70 % das pessoas estavam na zona rural e, hoje, esse número praticamente inverteu-se. Outro fato marcante é que, devido a Plantation de exportação as zonas das grandes lavouras estavam quase isoladas umas das outras, com saída apenas para o Mar.

 

Essa segmentação do território nacional em diferentes regiões, mais voltadas para um porto de exportação do que interligadas por uma malha de sistemas de transporte e de comunicações, fornece uma imagem adequada da diferença que havia entre o território nacional como um “arquipélago”, cujas ilhas constituídas pelas diferentes áreas de grandes lavouras ou mineração, e esse mesmo espaço físico após a implantação do parque industrial entre as décadas de 1930 e 1980, visto como um “continente”. ( GARCIA, 2001, p. 38 )

 

      Porém, essas Plantations não estavam completamente isoladas, pois, no caminho do escoamento da produção ergueram-se cidades que concentraram os portos e as riquezas daquela economia. Essas cidades portuárias ligavam-se as de menor porte por rios, trilhas e estradas carroçáveis. A mestiçagem da população é atrelada por Garcia ( 2001 ) à poligamia dos senhores da época e, a subordinação da moral católica aos desejos desses senhores de escravos.

      A crise no mundo rural associada a industrialização no Brasil passa a mudar os rumos da evolução da sociedade brasileira ao longo do século XX. A influente sociedade aristocrática rural passa pouco a pouco a perder terreno para a burguesia urbana. Conseqüentemente, com a concentração da população nas cidades, estas, passam a não ser mais subordinada a grande lavoura, mas sim, coordenarem a economia e atrelarem a vida rural ao seu modo de vida. Com a industrialização, essas cidades passam ainda a terem uma dinâmica própria, cada vez menos dependente da economia rural.

      O domínio rural no Brasil, sempre esteve intimamente ligado a economia colonial subordinada aos centros internacionais. A longevidade dessa forma tradicional, deve-se a infinidades de arranjos de controle de preços, sendo, um dos principais a mão-de-obra sob a forma de moradores, o que, permite que em caso de baixa de preços dos produtos da Plantation, os trabalhadores se dediquem a produção de subsistência. Outra característica é a complementaridade entre os períodos de maior trabalho na lavoura comercial com o período de menor trabalho nas culturas de manutenção,  além dos supostos contratos morais de vontades entre dono e trabalhador, onde este último adquire uma dívida de gratidão e fidelidade que ultrapassa o valor dos bens utilizados para sua subsistência.

      Com a substituição do sistema de trabalhadores/moradores pelo sistema de assalariados, agora residentes nas periferias das cidades e, denominados “bóias-frias”, o custo da mão-de-obra subiu muito, fato que, contribuiu para acelerar o uso da tecnificação na lavoura. Outro fator que possibilitou a existência da Plantation, foi os instrumentos de política econômica, como o Instituto Brasileiro do Café, que promoveu a garantia do ressarcimento das perdas dos cafeicultores pelo governo durante a Crise de 29. Essa política, segundo Celso Furtado, provocou de maneira não intencional a industrialização por substituição de importações, já que, durante a crise ausentaram-se as divisas das exportações que cessaram.

      A migração da população do meio rural para o urbano, deve-se a alguns fatores como: a evolução desfavorável obtida pelas lavouras comerciais, a possibilidade de emigrar em massa para às metrópoles que se industrializavam rapidamente desde a década de 30 e, a implantação dos novos direitos trabalhistas, que só teve sucesso nas cidades, visto a oposição da aristocracia política rural, atraindo portanto, os trabalhadores rurais para as cidades. Outros fatores foram os ligados ao término do sistema em que o trabalhador morava na fazenda, que fez com que este migrasse para a periferia empobrecida das cidades. Para aumentar a exclusão social, as políticas dos governos militares contribuíram muito, já que, promoveram a expansão das fronteiras agrícolas no centro-oeste e no norte, baseadas na grande propriedade de grandes empresários rurais. Nesses locais, os governos militares instauraram o mesmo sistema excludente e explorador, tanto da mão-de-obra quanto dos recursos, implantado pelos portugueses no Brasil-colônia. A Reforma Agrária que teria seu início com Tancredo Neves, foi sufocada após sua morte, tendo lamentavelmente apenas como peso em favor dela, atualmente, o MST.

 

REFERÊNCIAS:

 

ANDRADE, M. C. de. Espaço agrário brasileiro: velhas formas, novas funções, novas formas, velhas funções. São Paulo, GEOUSP – Espaço e Tempo, n° 12, p. 11-19, 2002.

ANDRADE, M. C. de. O processo de modernização agrícola e a proletarização do trabalhador rural no Brasil. Rio Claro, Geografia, v. 3, n° 5, p. 31-41, 1978.

BRUMER, Anita. Transformações e estratégias produtivas na produção familiar na agricultura gaúcha. Porto Alegre, Cadernos de Sociologia, v. 6, p. 89-111, 1994.

DIAMOND, Jared. O mundo como um polder: o que isto representa para nós atualmente?. In: Colapso – como as sociedades escolhem o fracasso ou o sucesso. Rio de Janeiro: Record, 2005. p. 581-627.

FURTADO, Celso. O problema da mão-de-obra. In. Formação Econômica do Brasil. São Paulo: Ed. Nacional, 1980. p. 117-141.

GARCIA, A. e PALMEIRA, M. Transformação Agrária. In: SACHS, I.; WILHEM, J.; PINHEIRO, P. S. (Orgs.) Brasil um Século de Transformações. São Paulo: Companhia das Letras, 2001. p. 38-77.

HIRANO, Sedi. Capitalismo e pré-capitalismo: a formação do Brasil colonial. São Paulo: Hucitec, 1988. p. 13-65.

PRADO Jr. Caio. Grande Lavoura. Agricultura de subsistência. In. Formação do Brasil Contemporâneo. São Paulo: Brasiliense, 1999. p. 130-168.

SZMERECSÁNYI, Tamas. Escravismo – trabalho livre. In. Pequena História da Agricultura no Brasil. São Paulo: Contexto, 1990. p. 29-48.

 

 

 


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