FORMAÇÃO SÓCIO-ECONÔMICA DE UM BRASIL AGRÍCOLA[1]
Juliano de Moraes de Aguiar[2]
RESUMO:
O artigo trata de reflexões acerca da
evolução da agricultura brasileira ao longo da formação da sociedade
brasileira. São analisadas as formas como essa agricultura foi implantada neste
país, as funções geradas a partir daí e, as repercussões econômico-sociais
concentradoras da renda, que o modelo agrícola implantado no Brasil trouxe para
o povo brasileiro.
PALAVRAS-CHAVE:
Espaço Agrário Brasileiro, Geografia
Agrária, Agricultura Brasileira,
Brasil Agrário.
[1] Artigo apresentado na disciplina de Geografia da Agricultura Brasileira, sob a orientação da profª. Drª. Giancarla Salamoni.
[2] Aluno (a) do curso de Pós-Graduação em Geografia - Especialização - 2006 - ICH - UFPEL.
1 – INTRODUÇÃO
No Brasil, as mudanças no espaço agrário
na virada de milênio são semelhantes às ocorridas entre anos de uma mesma
década. Porém, entrar num novo milênio, significa acima de tudo, renovar as esperanças
de que mudanças poderão transformar a sociedade. “O século XX foi um século de
morte e abandono de velhas utopias e foi, ao mesmo tempo, um século em que se
plantaram novas utopias”. ( ANDRADE, 2002, p. 12 )
Dentre as novas utopias destacam-se o
ambientalismo e a supervalorização do mercado. Na visão de Andrade (2002),
essas novas utopias provocam exageros que, ao chegarem a um nível extremo irão
provocar cenários de tensão e retrocesso evolutivo. Com relação ao
ambientalismo, Andrade, critica o exagero de fundamentações que querem
transformar grandes porções da Terra, naquilo que ele chama de “Santuários
Ecológicos”. Ademais, o autor evidencia que essa utopia esta ligada também a
Globalização e ao Neoliberalismo, pois, o bem estar e a renda concentram-se
cada vez mais nos paises ricos que, para chegarem a esse patamar degradaram o
seu meio ambiente e, ao atingirem a riqueza criam teorias para que os países
pobres protejam o ambiente, evitando assim a possível concorrência e,
estagnando-se no subdesenvolvimento passando a permitirem a exploração de seus
recursos por potências hegemônicas. A super-valorização do mercado, como mentor
das relações humanas, gera o fantasma da concentração da renda que tende, pouco
a pouco, a separar a humanidade e provocar novas lutas e catástrofes.
Da mesma forma que no
século XIX procurava-se enaltecer o progresso, afirmando que este resolveria
todas as pendências, sofisticando a civilização, no fim do século XX procura-se
deificar a tecnologia em função do que chamam de modernidade, já se falando até
em pós-modernidade. ( ANDRADE, 2002, p. 12 )
Atualmente, os teóricos modernistas e,
portanto, dominantes, consideram que a tecnologia e, a produção e reprodução
desta que alimenta o mercado, irá resolver os problemas sociais. Na verdade
essa idéia está equivocada e, nesse caminho linear o homem correria em “direção
a um ponto no qual ocorreria o fim da história”. ( FUKUYAMA apud ANDRADE, 2002,
p. 12 ). A evolução da humanidade deve ser diferenciada, ou seja, de maneira
equilibrada, de modo que, ocorra avanços e retrocessos que enriqueçam o
processo numa constante interligação entre a tradição e a renovação. Em
síntese, o homem para evoluir enquanto ser deve evitar a supervalorização do
mercado, pois, este sobrepondo-se ao humano tende a desequilibrar as relações
através da concentração da renda e provoca guerras que, significam um
retrocesso a idades primitivas.
Quanto ao Sistema Agrário Brasileiro,
este é caracterizado pelas Velhas Formas que impedem a formação de Novas
Funções. As Velhas Formas exploratórias portuguesas, herdadas das Sesmarias,
que deram origem ao Latifúndio e a concentração do poder nas mãos de poucos.
Essa Velha Forma, que permanece devido a não consolidação da Reforma Agrária,
caracteriza-se pela exploração dos recursos e dos cidadãos brasileiros por
poucos, para o enriquecimento próprio e de nações estrangeiras aliadas, em
detrimento do povo. Essa Velha Forma, inibe a formação de uma Nova Função, ou
seja, de um mercado interno sólido que poderia alavancar o verdadeiro
desenvolvimento do Brasil. A Reforma Agrária seria a maneira de mudar a Velha
Forma produzindo uma Nova Função, ou seja, uma agricultura mais dirigida para o
fortalecimento do mercado interno, com diversificação de produtos, com
sustentabilidade ambiental, social, econômica, política, em detrimento da
monocultura latifundiária exploratória exportadora.
As idéias reformistas do Setor Agrário
foram de pouco sucesso e muito combatidas no final do Império e durante a
República Velha. Só após 1930 é que se difundiu as Novas Formas – Propriedade
Familiar, Cooperativa e Coletiva – que, passaram a dar Nova Função ao Setor
Agrário. Nesse contexto mais atual, é que surgiram novas maneiras de se
fortalecer a luta pela Reforma Agrária, como por exemplo, o MST e outras ligas
camponesas.
“A extensão territorial do Brasil
dificulta a apresentação de um quadro onde sejam definidas as formas e as
funções da propriedade agrária”. (ANDRADE, 2002, p. 16). Devido a extensão do
Brasil, existem numerosas Formas e Funções, Velhas e Novas que, mantém-se
através dos tempos, já que, este território grande é um dificultador para
inovações. Nesse cenário, a expansão da Fronteira Agrícola para o noroeste do
país é impregnada de Velha Forma, pois, o governo apóia e subsidia a exploração
de novas áreas por grandes empresas, na sua maior parte de natureza
latifundiária exportadora. Já no nordeste, ocorre o processo inverso, o tão
tradicional Latifúndio exportador está cedendo lugar a Novas Formas e Funções,
com a divisão das grandes propriedades e a diversificação da produção.
Parece, que com a histórica Política
Agrária Brasileira, é necessário primeiro empobrecer e explorar uma região,
como o nordeste no passado e o noroeste atualmente, para posteriormente, tentar
reestruturá-la democratizando o acesso à terra, como atualmente ocorre no
nordeste.
Nesse contexto, cabe lembrar, porque
algumas sociedades antigas e atuais foram bem ou mal sucedidas na resolução de
seus problemas ambientais e, conseqüentemente, na resolução de seu
desenvolvimento e sustentabilidade.
De acordo com Diamond ( 2005 ), os
problemas ambientais mais sérios enfrentados tanto no passado como atualmente,
recaem sobre uma dúzia de grupos. “Os primeiros quatro dos 12 consistem na
destruição ou perda de recursos naturais; os três seguintes envolvem limites de
recursos naturais; os outros três consistem em coisas perigosas que produzimos
ou transportamos; e os dois últimos são questões populacionais”. ( DIAMOND,
2005, p. 581 ). Oito desses grupos eram significativos no passado, enquanto que
quatro, são problemas ambientais modernos. O que se extrai das afirmações deste
autor é que, tanto no decorrer da evolução das sociedades passadas, como no
desenvolvimento das atuais sociedades, existe um exaustivo e intenso processo
de degradação do ambiente que, em longo prazo torna insustentável o estilo de
vida adquirido com a evolução das novas tecnologias. A natureza impõe limites
de exploração de seus recursos e, estes não são conhecidos e, nem ao menos
levados em conta no decorrer da evolução de cada sociedade. Esses limites
sempre são ultrapassados pelo homem, fato que, resulta em um “alto preço” a
longo prazo, cobrado pela própria natureza, pois, sempre após o auge da
evolução de cada sociedade, esta entra em um acelerado processo de declínio, já
que, o modo de vida adquirido é insustentável. O homem, mesmo com seu elevado
nível de inteligência, não consegue vencer seu próprio instinto auto-destrutivo,
ou seja, não consegue viver de maneira sustentável, pois, seus sistemas de vida
sempre tendem a concentrar mais recursos do que o necessário para a
sobrevivência em cada sociedade. O sistema capitalista atual trata-se de uma
nova versão de sistemas antigos que, concentravam riquezas nas mãos de poucos a
um custo de intensa exploração insustentável dos recursos e, levaram tais
sociedades ao colapso. Nesse cenário de falsas afirmações de que a Terra ainda
comporta um numero maior de seres humanos, pouco se valoriza as premissas de
alguns autores de que, no nível atual de evolução, com o estilo de vida do
primeiro mundo, que é repassado mecanicamente ao terceiro mundo, a vida humana
está com os dias contados sobre a Terra, pois, no passado algumas sociedades
atingiram o apogeu e, depois com a exaustão de seus recursos entraram em
colapso ate a extinção. No entanto, deve-se levar em conta que tais colapsos deram-se
em uma escala local, visto o isolamento em que se situavam, porém hoje, com a
Globalização, quando o homem exaurir os recursos da Terra certamente entrará em
recessão acentuada, com a proliferação de Guerras até o colapso total. No
passado as sociedades se auto-destruíram, não explorando seus recursos
racionalmente, mas, como a escala de exploração era local a humanidade
sobreviveu e passou a explorar outras áreas, porém, se o homem agora degradar
demasiadamente a natureza certamente desaparecerá, já que, a Terra é o único
lugar habitável conhecido. Assim como o progresso não resolveu os problemas da
humanidade, a tecnologia também não os resolverá, pois, se ela foi feita para
resolver os problemas atuais certamente trará como conseqüência outros
problemas desconhecidos. O homem sempre age como se pudesse viver desconexo da
natureza e, por isso, sempre busca levar um nível de vida que a natureza jamais
poderá comportar.
No entanto, os problemas com os quais
estamos a cada dia nos deparando não são insolúveis. Resta aos educadores,
intelectuais e, a cada cidadão consciente, disseminar idéias sustentáveis de
desenvolvimento de maneira a sensibilizar e, adquirir o apoio da opinião
pública para pressionar as autoridades, tanto em nível local, como global, a
instaurar modelos e formas de vida racionalmente equilibradas com os recursos
disponíveis, para que, a vida no planeta possa ser desfrutada pelas futuras
gerações. É preciso criar uma opinião de que o momento atual é crucial, para
que se possa retroceder no nível de vida degradante e, permitir a existência
humana futura.
2 – A AGRICULTURA
BRASILEIRA NO ESPAÇO E NO TEMPO
A formação colonial brasileira, de acordo
com Hirano ( 1988 ), está baseada nas teses do capitalismo e, do não
capitalismo, que se divide nas variantes feudal-tradicional e
feudal-marxista-ortodoxa. Entre as duas últimas situa-se pré-capitalista que
afirma não ser a sociedade colonial nem feudal, nem capitalista.
A tese do capitalismo diz que, ao aceitar
o sistema capitalista desde sua gênese, portanto antes do advento da abolição
do escravismo, o Brasil-colônia passa a ser uma economia capitalista
periférica, com os setores de produção instalados no litoral visando o mercado
externo. Esta concepção diz que o Brasil seria a periferia do sistema
capitalista europeu em ascensão, e por isso, subordinada a este desde sua
implantação. Essa tese reduz o trabalho escravo a uma modalidade do capital
variável. O senhor e as raízes culturais implantadas aqui, segundo esta tese,
afirmam que a colônia estava interligada ao capitalismo europeu, na condição da
periferia deste. A abolição nessa proposta não foi uma espécie de revolução
burguesa necessária para se migrar de um sistema arcaico para outro, mas sim,
uma etapa mais avançada do processo capitalista da colônia visando uma maior
rentabilidade do trabalho assalariado e a formação de um mercado consumidor de
manufaturados europeus.
Já a tese do não-capitalismo, “acorda com
o que Marx afirma ao desenvolver a tese de que a acumulação originária - primitiva
- é anterior a acumulação capitalista (...), uma acumulação que não decorre do
modo capitalista de produção, mas é o seu ponto de partida”. ( HIRANO, 1988, p.
28 ). Essa acumulação resultante da relação comercial e da exploração da
mão-de-obra escrava, é anterior à acumulação capitalista, advinda da mais
valia, que é o excedente extraído do trabalho assalariado, principalmente
através do prolongamento da jornada de trabalho. Nesse sentido, essa acumulação
não decorre do modo capitalista, mas é o seu ponto de partida, assim sendo,
essa acumulação não é capitalista, mas sim pré-capitalista, porque prepara a
transição do mercantilismo para o capitalismo.
Dentro da tese do não-capitalismo, na
variante do feudalismo diz-se que as concessões outorgadas pelas Capitanias era
uma extensão do feudalismo de Portugal e, que embora esse sistema estivesse em
decadência nesse país era o mais vantajoso para explorar a colônia e enriquecer
a metrópole.
Ainda dentro da variante do não
capitalismo tem-se a tese de que a colônia não era nem feudal, nem capitalista.
Nesse sentido seria um novo modo de produção existente apenas na América do
Sul, mais exatamente no Brasil. Segundo Gorender ( 1978 ), a Plantation, que
ele chama de Plantagem, foi a forma de organização dominante do escravismo
colonial. Segundo esse autor, todas as unidades produtoras não plantacionistas
e todas as formas econômicas, se modelaram à economia de plantagem que,
traduziu-se no novo modo de produção.
A estas determinações
gerais e, portanto, extremamente abstratas, da plantation, enquanto modalidade
econômica dominante no escravismo colonial, atribui-se uma tal dimensão e uma
tal potencialidade, que as tornam elementos constitutivos de um modo de
produção, o escravista colonial. O modo de produção escravista colonial é a
plantagem, isto é, o conceito de plantagem dispensa o de modo de produção. (
HIRANO, 1988, p. 42 )
A Plantagem seria assim, um novo modo de
produção voltado para mercado externo e, justificada pela demanda deste. Sua
função primordial não consiste em prover o consumo dos produtores, mas sim
abastecer o mercado mundial. O trabalho escravo não permitiria a formação de um
mercado consumidor para estes produtos, tornando assim este modo de produção
extremamente explorador, tanto dos recursos brasileiros, como da mão-de-obra,
em favor das nações mais desenvolvidas.
Com relação à formação do Brasil
Contemporâneo, Caio Prado Júnior ( 1999 ), faz uma análise com especial estudo
sobre a formação da agricultura brasileira dividida entre, de um lado, a grande
lavoura e, de outro, a agricultura de subsistência. A agricultura, para este
autor, é o nervo econômico da civilização e, excluindo o insignificante ciclo
do pau-brasil, é com ela que se inicia a colonização do Brasil.
Como no Brasil foi instaurado uma colônia
de exploração, voltada para os interesses da Metrópole, a grande lavoura teve
terreno fértil para sua expansão, numa colônia dividida em Capitanias, baseada
no latifúndio agrário exportador, que poderia ser melhor designado como “explorador”.
A mão-de-obra gratuita dos escravos, aliada as terras férteis e abundantes e, o
desejo de enriquecimento, através da exploração, fizeram com que a colônia
brasileira, desde muito cedo, fosse inclusa no mercado mundial, como
fornecedora de riquezas e matérias primas. A grande lavoura exportadora, como é
sabido, trouxe consigo o fantasma da concentração da renda nas mãos de poucos,
em detrimento da formação de um mercado consumidor interno forte que pudesse
gerar o desenvolvimento da colônia. Não obstante, esta é a causa do Brasil,
mesmo atualmente, ter seu litoral mais populoso que as demais regiões
interiores. Isto demonstra que, historicamente este território esteve com seu
desenvolvimento voltado para o mercado externo. Não fosse a mineração e a
pecuária, “só a agricultura, a colonização não teria penetrado o interior; e é
por isso que até o século XVII os portugueses continuavam a ‘arranhar o litoral
como caranguejos’”. ( CAIO PRADO JÚNIOR, 1999, p. 133 ). Conforme disse o
autor, somente a agricultura não teria povoado o interior da colônia, uma vez
que, era o litoral o local de mais acessibilidade para a exportação. A cultura
da cana deu-se sempre no litoral devido aos solos e a facilidade para a
exportação, a exceção é a monocultura do algodão que devido aos solos passa a
localizar-se mais para o interior. Tanto a monocultura da cana, como a do
algodão estiveram ligadas a demanda internacional, sendo o açúcar artigo de
luxo na Europa enquanto o algodão serviu de matéria-prima para a indústria
inglesa em ascensão. A grande lavoura trouxe como conseqüências a pobreza e a
miséria, como é o caso do nordeste atualmente, pois, esta monocultura
exportadora tem como função primordial a exploração da região para o
enriquecimento externo.
Ao lado da prioritária monocultura
exportadora, desenvolveu-se uma agricultura com a função de abastecer de
suprimentos as populações coloniais. Porém sua distribuição também está ligada
a grande lavoura, uma vez que, na maioria dos casos, esta agricultura
localiza-se dentro dos domínios dos engenhos e das fazendas e serve para manter
os mesmos. As zonas urbanas, em certos momentos dependia da importação de
suprimentos, já que, a agricultura local era destinada ao exterior e não
produzia excedentes alimentares suficientes para as cidades. A agricultura de
subsistência estava em segundo plano e, a cada alta dos produtos exportáveis
era abandonada causando o desabastecimento da colônia. A localização dessa
agricultura se dá nas zonas marginais da grande lavoura, assim como, nas
proximidades das cidades as quais serve em terras desgastadas pela grande
lavoura. Essas cidades, também localizam-se em “centros de grande lavoura;
resultam aliás da presença destas grandes lavouras, únicas atividades capazes
na colônia de provocar a formação de aglomerações urbanas de certo vulto”. (
CAIO PRADO JÚNIOR, 1999, p. 160 ). O fato dessa agricultura de subsistência ser
tão menosprezada na colônia fez com que essas populações convivessem com o
fantasma da fome.
É graças a essa organização agrária que,
mesmo futuramente o RS foi considerado o Celeiro do Brasil, devido a sua
colonização diferenciada. É desses tempos remotos que brotaram as raízes da
concentração da renda, do subdesenvolvimento e do fraco mercado interno
brasileiro.
Com relação à formação da agricultura
brasileira, outra grande problemática enfrentada, durante o Brasil-Colônia, foi
à mão-de-obra escassa para o trabalho agrícola.
O primeiro censo
demográfico, realizado em 1872, indica que nesse ano existiam no Brasil
aproximadamente 1,5 milhão de escravos. Tendo em conta que o número de
escravos, no começo do século, era de algo mais de um milhão, e que nos
primeiros cinqüenta anos do século XIX se importou muito provavelmente mais de
meio milhão deduz-se que a taxa de mortalidade era superior a de natalidade. (
FURTADO, 1980, p. 117 )
Tal situação se explica pela condição
precária a que o escravo estava exposto na Plantation, ao contrário dos
escravos norte-americanos que, devido a estarem em propriedades pequenas onde a
qualidade de vida era melhor, tinham um grande crescimento vegetativo.
O problema central era que para aumentar
a produção tinha-se que explorar ao máximo a mão-de-obra, já que, terra
tinha-se em abundância. O que agravou o problema foi à divisão de Sesmarias,
pois, esta prática concentrou a propriedade nas mãos de poucos que, para
enriquecerem usaram grandes propriedades em um nível de grande exploração dos
escravos, não permitindo uma agricultura de subsistência adequada para suprir a
demanda por alimentos e a melhora da qualidade de vida. Com a escassez de
braços para a lavoura e, a difícil adaptabilidade na Plantation da força de
trabalho disponível nas cidades e na agricultura rudimentar de subsistência,
criou-se a idéia de que não se tinha outra saída para o problema a não ser
importar estrangeiros para o país. A imigração foi estimulada para o Brasil
assim como ocorrera nos EUA, porém, nos Estados Unidos não era para suprir
falta de mão-de-obra. Inicialmente esses imigrantes não resultaram em
mão-de-obra para a Plantation, pois devido às precárias condições a que foram
expostos, involuíam para uma atividade de subsistência. A classe burguesa
cafeeira percebendo que a imigração governamental não contribuía para
solucionar o problema, tratou de contratar colonos na Europa, entretanto, o
sistema também não deu certo porque foi rotulado como uma escravidão
disfarçada. A imigração só se efetivou com sucesso quando, em 1870, o Governo
Imperial passou a cobrir os gastos da viagem dos imigrantes e, a elite cafeeira
a garantir a instalação por um ano e a destinar uma roça para que o imigrante
pudesse cultivar seus produtos básicos. Aliado a essa nova política de
imigração, outro fator que contribuiu para o sucesso foi a unificação italiana,
que provocou profundas conseqüências econômicas negativas naquele país
estimulando seus habitantes mais atingidos a emigrar para o Brasil.
Aliado a imigração de origem européia,
também se efetivou uma migração interna de população do nordeste para a
Amazônia. Milhares de pessoas transferiram-se do nordeste para a região
amazônica para a extração da borracha, indicando assim que, a mão-de-obra para
a lavoura cafeeira já existia dentro do país antes mesmo da imigração
estrangeira e, provavelmente, foi reservada intencionalmente para essa nova
atividade econômica. Na região sul, onde a Plantation não foi acentuada, a
agricultura se subsistência alicerçada numa terra abundante e de boa qualidade
permitiu um grande crescimento vegetativo que, posteriormente, com a evolução
do mercado interno impulsionado pelo café, possibilitou o rápido
desenvolvimento da região.
As duas correntes de população foram
diferenciadas, enquanto o imigrante europeu teve assistência governamental e
dos cafeeiros, os nordestinos que foram para a Amazônia foram expostos a
condições extremamente precárias, pois, o trabalhador “começava a trabalhar
sempre endividado, pois via de regra obrigavam-no a reembolsar os gastos com a
totalidade ou parte da viagem, com os instrumentos de trabalho e outras
despesas de instalação”. ( FURTADO, 1980, p. 134 ). Este fator diferenciador de
instalação dos colonos nordestinos, ocasionou um péssimo desenvolvimento humano
e econômico da região, numa economia que apenas necessitava distribuir sua
excedente mão-de-obra de um local para outro internamente, sem imigração estrangeira.
Quanto à abolição da escravidão, o temor
era de que o escravo ao ser liberto se dedicasse a subsistência diminuindo a
mão-de-obra disponível. No entanto, a Lei de Terras de 1850, anterior, portanto,
à abolição, tratou de dificultar essa possibilidade, uma vez que, mesmo liberto
o ex-escravo teria que trabalhar para o patrão por um baixo salário para
sobreviver, eximindo este último dos gastos com sua alimentação. Essa impedição
à propriedade da terra por posse, possibilitou que fosse possível criar um “mascaramento”
de liberdade no Brasil com a abolição, sem que, a estrutura principal de
produção fosse alterada.
Existem ainda, outras questões ligadas
ao desenvolvimento da agricultura brasileira ao longo do século XIX, no que diz
respeito à organização e principalmente, ao uso da mão-de-obra existente na
época. Embora servil, essa mão-de-obra não apresentava grandes resultados
econômicos para o país, já que, o escravo não trabalhava estimulado, por ser
uma espécie de “mercadoria”. O fim do escravismo e a implantação do trabalho
livre deram-se de maneira simultânea e inter-relacionada. A mão-de-obra era escassa
e, para que se seguisse à tendência mundial de erradicação do escravismo, o
país necessitava de outra forma de trabalhador barato. Foi então que se começou
a implantar o trabalho livre e, proporcionalmente, erradicar o escravo, de
maneira que a grande lavoura dispusesse de mão-de-obra suficiente. A escravidão
sempre fora a base da sociedade brasileira, sendo tão imprescindível que não
foi alterada nem mesmo com a Independência do Brasil. A abolição teve sua
gênese com a proibição do tráfico negreiro em 1850, porém, só se efetivou
totalmente em 1888.
Essa demora foi devida
em boa parte à reativação e ao redirecionamento da economia
primário-exportadora, por meio da expansão da cafeicultura. [...] Foi ela que,
em última análise, propiciou o revigoramento do trabalho servil em nosso país,
numa época em que ele estava sendo erradicado no mundo todo. ( SZMERECSÁNYI,
1990, p. 30 )
Aliado à expansão da cafeicultura, existia
também demora na efetivação do trabalho livre suficientemente satisfatório,
obrigando assim os produtores, a continuar fazendo uso do modelo escravista.
A formação de um mercado de trabalho
capitalista ocasionado pela abolição, inicialmente só ocorreu em alguns centros
urbanos e na lavoura cafeeira do oeste paulista, foi a imigração que,
posteriormente, acelerou esse processo. Ademais, para que esse mercado exista é
preciso que tenha-se trabalhadores livres e destituídos dos meios de produção.
Nesse sentido, aliado à abolição e a imigração de camponeses proletários
europeus, a Lei de Terras de 1850 veio a propiciar estas condições, uma vez
que, impossibilitou que ex-escravos, proletários imigrantes e nacionais, estes
últimos já em grande número na época, tivessem livre acesso a terra, meio de
produção tão importante para as sociedades pré-industriais.
Alguns são os fortes motivos para a
resistência do escravismo no Brasil, dentre eles destacam-se a distribuição
espacial dos escravos e, a cultura enraizada nacionalmente de status social
para o Escravagista. No que diz respeito à distribuição, os escravos estavam
mais concentrados nas áreas de lavouras agro-exportadoras, onde chegavam a
significar a maior parte do contingente populacional. Estas áreas
caracterizavam-se por serem altamente concentradoras do poder econômico e
político nas mãos de uma elite minoritária que, resistia muito em libertar sua
mão-de-obra servil, por temer uma grande perda de poder ao efetuar-se uma
mudança no sistema de organização do trabalho. Ademais, estava implícito na
cultura do Brasil escravocrata, uma condição de status social, para todo o
homem livre que mantivesse sob seu domínio o maior número possível de escravos.
Todavia, o problema da escassez de
mão-de-obra acentuava-se, já que, tinha-se proibido a importação de escravos e
o crescimento vegetativo dos mesmos era negativo. Resulta daí um tráfico
interno no país, de uma região estagnada para outra em ascensão. Isso ocasionou
uma concentração de escravos maior nos Estados do sudeste que cresciam mais,
principalmente, as custas do café. Nesse período, a grande massa de escravos
transferiu-se do nordeste para o sudeste, fato que diferencia-se dos anteriores,
pela grande intensidade e fluxo. A abolição só começou a ganhar força depois da
Guerra do Paraguai, deixando de ser discutida apenas dentro do Parlamento, para
tornar-se um ideal, nas mentes de profissionais, pequenos comerciantes e homens
livres dos centros urbanos, que não estavam ligados à escravidão. Assim sendo,
“não constitui exagero dizer que o abolicionismo configurou o primeiro
movimento social urbano de massas no Brasil, nele tendo sido muito importante a
participação crescente dos mulatos e negros, livres e libertos”. (
SZMERECSÁNYI, 1990, p.36 ). Foi devido a esses movimentos urbanos que a Lei do
Ventre Livre foi promulgada.
Porém, mesmo com a abolição à condição
dos escravos pouco se alterou, pois, estes foram abandonados a própria sorte,
sendo dado prioridade para o trabalhador imigrante. Essa política já faz parte
do mercado de trabalho capitalista em ascensão, já que, os ex-escravos e
proletários livres, passaram a engordar o exército de reserva de mão-de-obra
barata a ser explorado eventualmente pela burguesia. Fato semelhante já ocorria
antes da abolição com alguns proletários rurais, que plantavam para
subsistência e eram aproveitados pela grande lavoura apenas nas safras. Esse
não aproveitamento da mão-de-obra disponível internamente repercutirá em
problemas futuros que perduram até a atualidade, como por exemplo, o inchaço
das cidades com a Favelização. Tanto o problema do descaso com o trabalhador
livre nacional, como com o ex-escravo, são repercussões de políticas elitistas
no Brasil que, para atender a interesses próprios, alavancaram uma onerosa
política de imigração que, serviu apenas para atender os interesses de poucos
burgueses, em detrimento dos interesses de desenvolvimento do país, com sérias
repercussões tanto nas finanças da nação, como na precariedade da classe
proletária brasileira. É evidente que, as políticas brasileiras desde a
colonização são de exploração, pois, em momento algum até o século XIX se agiu
de forma a desenvolver o país harmonicamente. Grande parte dos problemas
atuais, como favelização, alta concentração da renda, desemprego, inchaço
urbano, etc; tem suas raízes nas antigas políticas de concentração da terra nas
mãos de poucos. A necessidade de uma Reforma Agrária no Brasil, já é a anos
gritante, para que este país possa desenvolver-se. Sem dúvida alguma, foram as
ações mesquinhas e exploratórias que se desenvolveram no Brasil, desde a
colonização, que levaram este país a não desenvolver-se de maneira semelhante
aos demais da América.
Com relação a evolução dos modos de
produção nas várias partes do Brasil, onde domina ou dominou a Plantation e
seus produtos de exportação, tenta-se discutir e fazer algumas considerações a
partir de agora.
No Brasil, ao contrário da Europa, onde
predominava a Agricultura Familiar, foi implantado a Plantation, visto que, o
objetivo era explorar a Colônia em prol da Metrópole.
A colonização e o
povoamento do Brasil, iniciados na quarta década do século XVI, foram feitos
visando o abastecimento do mercado europeu, por produtos tropicais e por
metais, pretendendo Portugal obter vantagens econômicas como intermediário
entre sua colônia americana e aquele mercado. Desfeito o sonho do encontro
fácil de metais na costa do Brasil ou de povos com um grau de civilização que
permitisse o intercâmbio comercial e que dispuzessem de cidades com riquezas
acumuladas que pudessem ser saqueadas, passaram os portugueses a desenvolver no
litoral da nova colônia a agricultura canavieira com vistas a intensificar o
comércio entre o Novo e o Velho Mundo. ( ANDRADE, 1978, p. 31 )
Para esse sistema de produção tornou-se
necessário a escravidão, que não tendo tido êxito com o indígena, foi
implantada com o negro. Como a exportação deveria ser feita em grande escala,
necessitou-se criar um sistema com grandes unidades produtoras, com numeroso
número de trabalhadores submetidos à autoridade de um proprietário. Essas
características da agricultura implantada é que demandaram a existência das
sesmarias, dos latifúndios e do trabalho escravo. No Brasil o escravismo foi
implantado e, tornou-se o modo de produção, dependente economicamente em escala
mundial do capitalismo europeu em expansão. Como o Brasil era colônia de
exploração, teve um modo de produção arcaico e dependente, implantado desde o
início da colonização, com o objetivo de submeter essa Colônia à Metrópole.
Enquanto na Europa o capitalismo já estava ascendendo, no Brasil foi implantado
propositadamente um sistema que já era ultrapassado. Esse fato aliado às
dificuldades em realizar a Reforma Agrária, explica a atual dependência externa
do país.
O sistema escravocrata só decaiu, quando
a ampliação da área povoada e, a diversificação das atividades econômicas,
passaram a exigir uma maior especialização, melhor qualidade e, maior estabilidade
econômica que não ocorria com a agricultura de exportação e a mineração.
Ao lado da Plantation, surgiu uma
agricultura de subsistência formada por uma classe pobre. Aí surgiram outras
formas de trabalho que não o escravo, com a função de manutenção e
abastecimento do mercado interno. Em alguns casos esses pobres agricultores
trabalhavam alguns dias da semana para o patrão por um baixo salário e,
dedicavam-se nos demais dias a cultivar suas roças. Em outros casos cultivavam
as terras do proprietário sob a condição de dividir a colheita ficando 1/3 ou
1/2 para o dono da terra. “Temos assim um modo de produção que, acreditamos,
poder chamar de mercantil simples”. ( ANDRADE, 1978, p. 35 )
Ultimamente, o modo de produção
capitalista acentua-se no campo e o trabalhador rural se proletariza, vendendo
sua força de trabalho por um salário geralmente baixo e incerto. A ampliação da
agricultura comercial acentua-se, face a fatores como, a mão-de-obra barata, a
extensão das terras e, as legislações que visam desapropriar terras
improdutivas. Com a proletarização do trabalhador e a acentuação da agricultura
comercial, o trabalhador passa a residir nas periferias urbanas e, desempenhar
funções como as dos Bóia Fria, legitimando o Êxodo Rural.
Outro fator que contribui para a
decadência da Agricultura Familiar é que, a assistência agronômica e o crédito
chegam mais facilmente aos grandes proprietários, visto que, estes tem maior
acesso ao banco e oferecem garantias aos empréstimos, enquanto que, os pequenos
agricultores, face às dificuldades e obstáculos erguidos à eles, chegam até a
temer realizar transações bancárias.
Todos esses fatores degradantes do meio
ambiental e social, provém da agricultura baseada na grande propriedade, que
foi introduzida a séculos, com o objetivo de exportar e, continua até hoje, a
canalizar as riquezas do Brasil para o exterior em detrimento do povo
brasileiro.
3 – CONSIDERAÇÕES FINAIS
No noroeste do RS, particularmente, as
transformações ocorridas na agricultura familiar e as estratégias desenvolvidas
pelos agricultores para organizarem-se, fizeram desta região, uma exemplar exceção
no Brasil. Por estar integrado ao mercado, adotar a especialização deste e,
incorporar os avanços da tecnologia esse produtor não é apenas um camponês, no
entanto, também não pode ser considerado um empresário capitalista, uma vez
que, é o próprio proprietário da terra em que produz, vive dos produtos
extraídos desta, não vende sua força de trabalho nem explora outros, já que, utiliza
o trabalho familiar. Uma característica bastante peculiar desta região e que, a
diferencia da tradicional Plantation brasileira é que, a renda é melhor
distribuída entre os trabalhadores e, estes por serem os proprietários dos
minifúndios, tem um nível de vida melhor do que os proletários que vendem a sua
força de trabalho para a grande lavoura. A policultura alimentar possibilita
que estes colonos retirem da terra quase tudo o que dependem para sobreviver,
podendo ainda, comercializar os excedentes para incrementar sua renda.
Esses colonos tiveram
em comum as práticas de uma policultura alimentar, caracterizada, de um lado,
pelo cultivo de uma variedade relativamente grande de produtos e pela criação
de suínos, gado leiteiro e aves, destinados principalmente ao consumo alimentar
dos membros da família e para a comercialização; de outro, pela utilização
intensiva do trabalho familiar. ( BRUMER, 1994, p. 91 )
Com isso, esses colonos tornam-se pouco
dependentes de políticas governamentais e, independentes da espoliação
capitalista burguesa que ocorre na grande propriedade latifundiária. É graças a
essa força de trabalho familiar e, ao retorno desta produção minifundiária em
prol da família que, estes colonos atingiram um nível diferenciado de desenvolvimento
em relação aos proletários da grande propriedade. Nesse modelo de produção, o
trabalhador produz seu próprio sustento, conseqüentemente, alimenta-se melhor e
produz mais excedentes que, retornarão em benefícios para a família.
A inserção da soja na região propiciou,
um processo de mecanização que reordenou a organização familiar de produção
baseada na pequena propriedade. Essa expansão deu-se graças ao estímulo dado
pelo governo federal na forma de crédito a baixos juros, que possibilitou a
intensificação da mecanização nessas pequenas propriedades. A expansão da soja
também estimulou a do trigo que já ocorria anteriormente, já que, foi possível
intercalar as duas culturas na mesma área em estações diferentes. A cultura da
soja também encontrou facilidades na organização por utilizar as Cooperativas
Tritícolas já existentes. A soja cresceu também em produção, graças a altas nos
preços no mercado internacional até a década de 70, ao qual se dirigia grande
parte da produção. Porém posteriormente, as condições de produção da soja
declinaram e, as cooperativas e os órgãos de extensão, passaram a estimular a
diversificação da produção com a criação das agroindústrias de processamento. O
fator que mais dificultou a generalização da empresa capitalista na região foi
o tamanho pequeno das propriedades rurais e, as dificuldades dos produtores na
aquisição de tratores e máquinas, aliado ao fato de que, o grosso da produção era
baseado na mão-de-obra familiar. Junto a isso, a cultura da soja encontrou regiões
bem mais favoráveis ao seu desenvolvimento no centro-oeste brasileiro. No
entanto, a cultura da soja e do trigo não desapareceu, visto que, é uma
complementar alternativa de renda da produção familiar, podendo obter-se uma
intensificação do uso da terra com a produção da soja no verão e do trigo no
inverno.
A diversificação da produção significa
para os agricultores uma forma de economia de recursos, uma vez que, tornam-se
menos dependentes do mercado com a policultura e, com menor risco de contrair
dívidas, ao mesmo tempo em que podem obter uma intensificação do trabalho
familiar com maior fixação dos membros na propriedade rural. Aliado a menor
dependência para a manutenção da família com a policultura, alguns poucos
agricultores desenvolveram uma outra maneira de incrementar a renda familiar
através da aquisição de máquinas agrícolas com os créditos agrícolas. Além de
usarem as máquinas no estabelecimento e ganhar tempo e produtividade, é
possível alugar essas máquinas e algum membro familiar para outras propriedades
e, assim maximizar a renda da família através da intensificação do fator
trabalho. Esta renda permite o complemento do pagamento das máquinas e, pode
ser considerada como uma espécie de renda empresarial, já que, para ser considerado
“trabalho assalariado”, “enfrentaríamos a paradoxal situação de que é
assalariado aquele que detém os meios de produção”. ( LOVISOLO apud BRUMER,
1994, p. 104)
Foi graças à expansão do trigo e da soja
e, as estratégias dos agricultores que foi possível a consolidação de
produtores familiares modernizados, com alto nível de mecanização e
produtividade física do trabalho. Entretanto, a penetração capitalista não foi
completa graças a pouca utilização de mão-de-obra assalariada. Mesmo assim, o
processo não foi homogêneo, criando diferenciações entre os produtores que tem
e, os que não tem acesso livre ao crédito, a aquisição de novas terras e
maquinários.
No Brasil, ao longo do século XX,
ocorreram inúmeras mudanças sociais. Inicialmente, temos a migração da
população rural para as cidades, sendo que por volta de 1940, 70 % das pessoas
estavam na zona rural e, hoje, esse número praticamente inverteu-se. Outro fato
marcante é que, devido a Plantation de exportação as zonas das grandes lavouras
estavam quase isoladas umas das outras, com saída apenas para o Mar.
Essa segmentação do
território nacional em diferentes regiões, mais voltadas para um porto de
exportação do que interligadas por uma malha de sistemas de transporte e de
comunicações, fornece uma imagem adequada da diferença que havia entre o
território nacional como um “arquipélago”, cujas ilhas constituídas pelas
diferentes áreas de grandes lavouras ou mineração, e esse mesmo espaço físico
após a implantação do parque industrial entre as décadas de 1930 e 1980, visto
como um “continente”. ( GARCIA, 2001, p. 38 )
Porém, essas Plantations não estavam
completamente isoladas, pois, no caminho do escoamento da produção ergueram-se
cidades que concentraram os portos e as riquezas daquela economia. Essas
cidades portuárias ligavam-se as de menor porte por rios, trilhas e estradas
carroçáveis. A mestiçagem da população é atrelada por Garcia ( 2001 ) à
poligamia dos senhores da época e, a subordinação da moral católica aos desejos
desses senhores de escravos.
A crise no mundo rural associada a
industrialização no Brasil passa a mudar os rumos da evolução da sociedade
brasileira ao longo do século XX. A influente sociedade aristocrática rural
passa pouco a pouco a perder terreno para a burguesia urbana. Conseqüentemente,
com a concentração da população nas cidades, estas, passam a não ser mais
subordinada a grande lavoura, mas sim, coordenarem a economia e atrelarem a
vida rural ao seu modo de vida. Com a industrialização, essas cidades passam
ainda a terem uma dinâmica própria, cada vez menos dependente da economia
rural.
O domínio rural no Brasil, sempre esteve
intimamente ligado a economia colonial subordinada aos centros internacionais.
A longevidade dessa forma tradicional, deve-se a infinidades de arranjos de
controle de preços, sendo, um dos principais a mão-de-obra sob a forma de
moradores, o que, permite que em caso de baixa de preços dos produtos da
Plantation, os trabalhadores se dediquem a produção de subsistência. Outra característica
é a complementaridade entre os períodos de maior trabalho na lavoura comercial
com o período de menor trabalho nas culturas de manutenção, além dos supostos contratos morais de
vontades entre dono e trabalhador, onde este último adquire uma dívida de
gratidão e fidelidade que ultrapassa o valor dos bens utilizados para sua
subsistência.
Com a substituição do sistema de
trabalhadores/moradores pelo sistema de assalariados, agora residentes nas
periferias das cidades e, denominados “bóias-frias”, o custo da mão-de-obra
subiu muito, fato que, contribuiu para acelerar o uso da tecnificação na
lavoura. Outro fator que possibilitou a existência da Plantation, foi os
instrumentos de política econômica, como o Instituto Brasileiro do Café, que promoveu
a garantia do ressarcimento das perdas dos cafeicultores pelo governo durante a
Crise de 29. Essa política, segundo Celso Furtado, provocou de maneira não
intencional a industrialização por substituição de importações, já que, durante
a crise ausentaram-se as divisas das exportações que cessaram.
A migração da população do meio rural
para o urbano, deve-se a alguns fatores como: a evolução desfavorável obtida
pelas lavouras comerciais, a possibilidade de emigrar em massa para às
metrópoles que se industrializavam rapidamente desde a década de 30 e, a
implantação dos novos direitos trabalhistas, que só teve sucesso nas cidades,
visto a oposição da aristocracia política rural, atraindo portanto, os
trabalhadores rurais para as cidades. Outros fatores foram os ligados ao
término do sistema em que o trabalhador morava na fazenda, que fez com que este
migrasse para a periferia empobrecida das cidades. Para aumentar a exclusão
social, as políticas dos governos militares contribuíram muito, já que, promoveram
a expansão das fronteiras agrícolas no centro-oeste e no norte, baseadas na
grande propriedade de grandes empresários rurais. Nesses locais, os governos
militares instauraram o mesmo sistema excludente e explorador, tanto da
mão-de-obra quanto dos recursos, implantado pelos portugueses no
Brasil-colônia. A Reforma Agrária que teria seu início com Tancredo Neves, foi
sufocada após sua morte, tendo lamentavelmente apenas como peso em favor dela,
atualmente, o MST.
REFERÊNCIAS:
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M. C. de. Espaço agrário brasileiro:
velhas formas, novas funções, novas formas, velhas funções. São Paulo,
GEOUSP – Espaço e Tempo, n° 12, p. 11-19, 2002.
ANDRADE,
M. C. de. O processo de modernização
agrícola e a proletarização do trabalhador rural no Brasil. Rio Claro,
Geografia, v. 3, n° 5, p. 31-41, 1978.
BRUMER,
Anita. Transformações e estratégias
produtivas na produção familiar na agricultura gaúcha. Porto Alegre,
Cadernos de Sociologia, v. 6, p. 89-111, 1994.
DIAMOND,
Jared. O mundo como um polder: o que
isto representa para nós atualmente?. In: Colapso – como as sociedades
escolhem o fracasso ou o sucesso. Rio de Janeiro: Record, 2005. p. 581-627.
FURTADO,
Celso. O problema da mão-de-obra.
In. Formação Econômica do Brasil. São Paulo: Ed. Nacional, 1980. p. 117-141.
GARCIA,
A. e PALMEIRA, M. Transformação Agrária.
In: SACHS, I.; WILHEM, J.; PINHEIRO, P. S. (Orgs.) Brasil um Século de Transformações. São Paulo: Companhia das
Letras, 2001. p. 38-77.
HIRANO,
Sedi. Capitalismo e pré-capitalismo: a
formação do Brasil colonial. São Paulo: Hucitec, 1988. p. 13-65.
PRADO
Jr. Caio. Grande Lavoura. Agricultura de
subsistência. In. Formação do Brasil Contemporâneo. São Paulo: Brasiliense,
1999. p. 130-168.
SZMERECSÁNYI,
Tamas. Escravismo – trabalho livre.
In. Pequena História da Agricultura no Brasil. São Paulo: Contexto, 1990. p.
29-48.
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