GEOGRAFIA E GLOBALIZAÇÃO [1]
Juliano de Moraes de Aguiar[2]
RESUMO
O artigo trata de uma elaboração teórica
acerca do papel da Geografia, dentro do mundo contemporâneo cada vez mais
influenciado pelo fenômeno da Globalização, suas implicações de caráter metodológico
na elaboração dos conceitos e, as abordagens realizadas para explicar tal
fenômeno dentro da era da modernidade e/ou pós modernidade.
Palavras-chave
Globalização e Geografia
- Modernidade e Geografia - Geografia Contemporânea.
[1] Trabalho apresentado para avaliação na disciplina de Epistemologia da Geografia, 2006
[2] Aluno do Curso de Pós Graduação em Geografia da Universidade Federal de Pelotas.
1- A Geografia no mundo globalizado
A Geografia, assim como as demais
ciências, está empenhada em explicar de maneira satisfatória os fenômenos da
atualidade, resultantes de uma sociedade cada vez mais interligada pelas
tecnologias globalizantes. A busca incessante por explicações da realidade, faz
com que essa ciência se recicle através do tempo, por meio de uma série de
transformações, tanto de caráter metodológico quanto epistemológico. Essas
transformações, são resultado da demanda por explicações para fenômenos da
atualidade, que são gerados dentro de um contexto contemporâneo de globalização.
De
acordo com Galvão,
[...] a idéia de globalização está associada a uma sensação
de ruptura temporal: o momento atual não seria apenas decorrência e conseqüência
do passado, mas um novo momento, fruto de uma reorganização produtiva
internacional e de uma maior importância dos mercados financeiros, decorrente
de sua maior integração e crescimento. (Galvão, 1998, p. 25)
Nos meados da década
passada, o termo globalização passa a ter sua relevância reconhecida no meio
acadêmico. Contudo, devemos destacar que o debate e a popularização do termo
efetivou-se principalmente na década em que vivemos. Anteriormente, essa
sensação de ruptura podia ser observada nas análises teóricas realizadas
durante as décadas de 70 e 80 que enfocavam principalmente termos como
dependência e interdependência.
Para Ianni, “a globalização é
resultado do avanço do capitalismo não só como um modo de produção, mas também como
um processo civilizatório, resultando na emergência de uma complexa e
contraditória sociedade global“. ( Ianni, 1996, p. 11)
Já para Wolf,
[...] a globalização está associada à expansão do
capital e da tecnologia, sendo resultado da crescente interdependência
econômica dos países em todo mundo, gerada pela expansão no volume e variedade
das transações de bens e serviços entre eles, dos fluxos de capital, bem como
pela difusão mais rápida e abrangente da tecnologia. (Wolf, apud Galvão, 1998,
p. 37)
Do ponto de vista
etimológico,
[...] a palavra global possui dois significados: o
primeiro referindo-se à Terra como um planeta, e o segundo referindo-se à noção
de totalidade. Desta forma, o neologismo globalização tende a juntar os dois
significados, dando a idéia de homogeneidade mundial. (Cox, apud Galvão, 1998,
p.47)
Entretanto, o termo globalização,
associado à idéia de homogeneidade mundial, é inadequado para definir o momento
em que vivemos. O cotidiano das pessoas está interligado em uma teia de
relações mundiais, mas tais relações não condicionam uma homogeneidade social.
Ao contrário, ressaltam as diferenças, criando e recriando especificidades que
alimentam essa teia de relações mundiais.
Na realidade, a busca por uma
definição do que é o processo de globalização é uma tarefa árdua, mesmo para a
ciência geográfica, que historicamente dedicou-se ao estudo da Terra e, de seus
fenômenos globalmente. O processo de globalização, longe de poder ser descrito
e simplificado em meia dúzia de linhas, é extremamente complexo, pois lida com
diferentes escalas espaciais de análise, com geopolíticas minuciosas e
contraditórias e com dinâmicas culturais em choque. Devendo ainda ser
acrescentado o fato de que, ainda o estamos vivendo, o que dificulta mais sua
real apreensão, e de que prever suas futuras conseqüências nada mais é do que
um exercício de “imaginação futurística”, que pode ou não ocasionar erros.
Contudo, o cenário acadêmico se angustia em teorias que tentam fornecer uma
"face" a esse processo, que na maioria das vezes apresenta-se
"obscuro ou destorcido" em suposições e divagações que hora o
enaltecem, hora duvidam de sua real dimensão, e hora o criticam.
A dúvida se vivemos um novo momento
histórico, um rompimento com a modernidade, uma pós-modernidade que traz
consigo novos valores e dinâmicas sociais, ou se estamos na realidade vivendo
um acirramento da modernização, resultado de sua maior expansão e alastramento
pelo mundo, subjugando, desenraizando e entrando em choque com culturas não
ocidentais, impondo o capitalismo como modo de produção, é um dos pontos altos
do debate sobre o tema. Autores como Featherstone, por exemplo, argumentam que
entender a globalização como uma extensão da modernidade é “deixar de lado não
apenas a variabilidade cultural de nações-estado e civilizações não ocidentais,
mas também a especificidade do complexo cultural da modernidade ocidental"
(Featherstone, 1996, p.10).
Nesse contexto, Galvão (1998)
destaca o papel de nomes como Robertson e Giddens como referências na
literatura sobre globalização.
Robertson encara a globalização não
apenas como fruto do processo de expansão da modernidade ocidental, mas como um
conceito que "refere-se ao mesmo tempo à ‘compreensão do mundo’ e à
consciência do ‘mundo como um todo’" (apud Galvão, 1998, p. 40), em que o
conhecimento e a exposição do outro é um fator de afirmação da própria
identidade.
Giddens vê a globalização como uma parte
da modernidade e, nesse sentido, o momento em que vivemos seria o momento em
que as conseqüências da modernidade se materializam e se radicalizam. Giddens
define globalização "como a intensificação das relações sociais de alcance
mundial, que vinculam lugares distantes de tal forma que acontecimentos locais
são influenciados por eventos remotos, e vice-versa", ou seja, os
acontecimentos locais são influenciados e influenciam acontecimentos distantes
(apud Galvão, 1998, p.44)
O fato é que o termo globalização
tornou-se uma palavra da moda e por isso seu significado quer dizer muitas
coisas, gerando muita confusão quanto ao que realmente representa. Cardoso
encara o termo como mais "um daqueles conceitos tão amplos, que é
empregado por diferentes pessoas para explicar fatos de natureza completamente
diversa", sendo que, mesmo quando relacionado diretamente à economia,
ainda assim, pode ser associado a diferentes fenômenos. (Cardoso, apud Galvão,
1998, p. 38)
O que deve ser frisado é que, longe
de ser um processo apenas econômico, a globalização é também um processo
social, entendendo a sociedade como um corpo social que influencia e é
influenciado, no tempo e no espaço, por fenômenos produzidos pelos próprios
homens em sua relação em comunidade e, com o meio físico onde vivem a partir de
uma lógica dialética e complexa.
Para a Geografia, mais importante do que discutir se esse fenômeno faz
parte da modernidade ou não, é tentar buscar de forma crítica às conseqüências
de seu impacto sobre a sociedade e tentar desfazer mitos, como o da
homogeneidade mundial que mascaram o acirramento do fenômeno de exclusão social,
que o processo de globalização traz consigo.
2 – O local em confronto com o Global
Segundo Featherstone, a lógica
totalizante é um dos maiores problemas presentes na tentativa de gerar uma
teoria sobre a globalização. Pensar na possibilidade de um mundo unificado e
homogêneo é superestimar o papel dos processos universalizantes, gerados pelas
tecnologias de comunicação e pelo mercado financeiro, como agentes capazes de
diminuir a importância das culturas locais. Nesse sentido, o mundo passa a ser
um só lugar que tem como base o contato e o diálogo entre as nações, blocos e
civilizações num "espaço dialógico em que a expectativa é de discordância,
conflito e confronto de perspectivas e não apenas trabalho conjunto e consenso".
(Featherstone, 1996, p.10)
Assim, o momento em que vivemos é
marcado por um processo dialético entre o local e o global, onde o singular (o
raro) dialoga com o banal (o trivial) e a teia de relações sociais
estabelecidas a partir desta lógica pode ser entendida como sendo a
manifestação de uma lógica, que longe de ser simples e explicável
conceitualmente, é extremamente complexa e se alicerça em diferentes níveis e
escalas de valores culturais no tempo e no espaço.
O avanço da modernidade não destrói as
especificidades e tampouco homogeiniza as culturas. A permanência de rituais e
cerimônias em que prevalecem códigos e símbolos originais ou recriados em
função do contato com outras culturas, atua "como baterias que guardam e
recarregam o sentido de comunidade" (Featherstone, 1996, p. 16) e que,
somadas as memórias coletivas, dotam os indivíduos de um sentimento de
pertencimento ou não à comunidade, ou seja, preservam o local não através de
isolamento, mas através do contato, solidificando, criando ou recriando
práticas de inclusão e exclusão, obstaculizando assim, o avanço hegemônico da
cultura ocidental pelo espaço geográfico mundial.
A própria construção do Estado-nação é um
processo de inclusão e de exclusão. Ritos, símbolos e memórias coletivas dotam
o espaço de significado. O espaço físico torna-se também simbólico, um lugar
onde se dá a criação de uma comunidade nacional. Em outras palavras, a
identidade nacional é o resultado da manifestação das territorialidades em um
dado espaço, que une pessoas por um sentimento de inclusão, de pertencimento
àquela realidade, àquele espaço vivido, aquela nação, como acontece por exemplo,
com os Palestinos na atualidade.
As relações sociais que unem uma
comunidade, acirram-se justamente quando esta comunidade entra em contato com
outra. Mesmo que internamente as relações sociais se caracterizem por
complexas, elas tendem a serem vistas de forma simplificada e integradas dentro
de uma lógica (mesmo que não sendo compreendida) pelos de fora da comunidade,
provocando neles um sentimento de exclusão, de não pertencimento.
Assim, através do contato, da
criação e recriação de símbolos de poder, inclusão e exclusão, o processo de globalização,
longe de homogeneizar, promove o choque entre culturas e instituições, entre o
local e o global, de forma que as identidades firmam-se e/ou transformam-se,
mas não desaparecem.
O mundo contemporâneo não esta
vivendo um empobrecimento cultural “ao contrário, tem havido uma extensão de
repertórios culturais e aumento dos recursos de vários grupos para criar novos
modos simbólicos de afiliação e pertencimento, esforçando-se para retrabalhar e
reformular o significado de signos existentes”. (Featherstone, 1996, p.19)
Desta forma, a pluralidade está
presente no processo de globalização, o que significa dizer que este processo
não está simplesmente reduzido ao avanço da modernidade ocidental. Ao
contrário, tal avanço encontra barreiras com as quais interage suscitando
diferentes respostas, como por exemplo, a resistência árabe no Oriente Médio na
atualidade.
Contudo, não deve-se também
minimizar a força da economia capitalista ocidental em seu processo de
conquista e alastramento pelo mundo. Deve-se apenas ver esse processo como
dialético e complexo, já que muitos fenômenos frutos de choque cultural,
ressurgimento e criação de signos de exclusão e inclusão são justamente
resultado das dinâmicas e modificações nas estruturas de reprodução social,
causados pelo avanço da lógica capitalista sem compromisso social, promovendo
disputas de ordem não só sociais, econômicas e políticas, mas também conflitos
"culturais, religiosos, lingüisticos e raciais [...] emergem xenofobias,
etnocentrismos, racismos, fundamentalismos, radicalismos, violências".
(Ianni, 1996, p.25)
Portanto, percebe-se que o mundo
sem fronteiras não existe. Mesmo que as fronteiras geográficas entre os
Estados-nação se diluam, as diferenças culturais entre os povos continuarão a
demarcar o território, que continuará a ser um campo de lutas e de poder. Ao
contrário de eliminar o local e homogeneizar o mundo, o processo de
globalização tem como uma de suas características acirrar as diferenças entre
as comunidades. As diferenças entre as civilizações são um fator de
estabelecimento de fronteiras culturais, o que pode-se entender como barreiras
subjetivas que se materializam no espaço com a formação de mercados e blocos,
ou servem de empecilho para seu estabelecimento. Assim, as fronteiras
geográficas, que no novo mundo globalizado unirão ou excluirão os povos,
passarão a ser cada vez mais demarcadas em função de elementos subjetivos,
baseados principalmente em aspectos culturais, que tendem a unir em função da
identificação entre os povos.
Referências bibliográficas:
ANDERSON, Perry. et al. Pós-liberalismo.
Rio de Janeiro: Paz e terra, 1995.
FEATHERSTONE,
Mike. Localismo, globalismo e identidade
cultural. Revista Sociedade e Estado, v11, n1, p. 09-42, jan. / jun. 1996.
GALVÃO, Marcos B. A. Globalização:
arautos, céticos e críticos (primeira parte). Política Externa. São Paulo:
Paz e Terra / USP, v 6, n 4, p. 36-88, março, 1998.
HEIBRONER, Robert L. A natureza e a
lógica do capitalismo. São Paulo: Ed. Ática, 1988.
IANNI, Octávio. A era do globalismo.
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1996.
SANTOS, Milton. A natureza do espaço.
Técnica e Tempo. Razão e Emoção. São Paulo: HUCITEC, 1997. 310p.
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