quarta-feira, 17 de julho de 2024

Artigo: Geografia e Globalização

 

GEOGRAFIA E GLOBALIZAÇÃO [1]

 

Juliano de Moraes de Aguiar[2]

 

 

RESUMO

 

O artigo trata de uma elaboração teórica acerca do papel da Geografia, dentro do mundo contemporâneo cada vez mais influenciado pelo fenômeno da Globalização, suas implicações de caráter metodológico na elaboração dos conceitos e, as abordagens realizadas para explicar tal fenômeno dentro da era da modernidade e/ou pós modernidade.

                                                                                                                                                                                                                   

Palavras-chave

 

Globalização e Geografia - Modernidade e Geografia - Geografia Contemporânea.

 

 


[1] Trabalho apresentado para avaliação na disciplina de Epistemologia da Geografia, 2006

[2] Aluno do Curso de Pós Graduação em Geografia da Universidade Federal de Pelotas.


1- A Geografia no mundo globalizado


      A Geografia, assim como as demais ciências, está empenhada em explicar de maneira satisfatória os fenômenos da atualidade, resultantes de uma sociedade cada vez mais interligada pelas tecnologias globalizantes. A busca incessante por explicações da realidade, faz com que essa ciência se recicle através do tempo, por meio de uma série de transformações, tanto de caráter metodológico quanto epistemológico. Essas transformações, são resultado da demanda por explicações para fenômenos da atualidade, que são gerados dentro de um contexto contemporâneo de globalização.

 

      De acordo com Galvão,

 

[...] a idéia de globalização está associada a uma sensação de ruptura temporal: o momento atual não seria apenas decorrência e conseqüência do passado, mas um novo momento, fruto de uma reorganização produtiva internacional e de uma maior importância dos mercados financeiros, decorrente de sua maior integração e crescimento. (Galvão, 1998, p. 25)


      Nos meados da década passada, o termo globalização passa a ter sua relevância reconhecida no meio acadêmico. Contudo, devemos destacar que o debate e a popularização do termo efetivou-se principalmente na década em que vivemos. Anteriormente, essa sensação de ruptura podia ser observada nas análises teóricas realizadas durante as décadas de 70 e 80 que enfocavam principalmente termos como dependência e interdependência.


      Para Ianni, “a globalização é resultado do avanço do capitalismo não só como um modo de produção, mas também como um processo civilizatório, resultando na emergência de uma complexa e contraditória sociedade global“. ( Ianni, 1996, p. 11)

 

      Já para Wolf,

 

[...] a globalização está associada à expansão do capital e da tecnologia, sendo resultado da crescente interdependência econômica dos países em todo mundo, gerada pela expansão no volume e variedade das transações de bens e serviços entre eles, dos fluxos de capital, bem como pela difusão mais rápida e abrangente da tecnologia. (Wolf, apud Galvão, 1998, p. 37)


      Do ponto de vista etimológico,

 

[...] a palavra global possui dois significados: o primeiro referindo-se à Terra como um planeta, e o segundo referindo-se à noção de totalidade. Desta forma, o neologismo globalização tende a juntar os dois significados, dando a idéia de homogeneidade mundial. (Cox, apud Galvão, 1998, p.47)

 

      Entretanto, o termo globalização, associado à idéia de homogeneidade mundial, é inadequado para definir o momento em que vivemos. O cotidiano das pessoas está interligado em uma teia de relações mundiais, mas tais relações não condicionam uma homogeneidade social. Ao contrário, ressaltam as diferenças, criando e recriando especificidades que alimentam essa teia de relações mundiais.


      Na realidade, a busca por uma definição do que é o processo de globalização é uma tarefa árdua, mesmo para a ciência geográfica, que historicamente dedicou-se ao estudo da Terra e, de seus fenômenos globalmente. O processo de globalização, longe de poder ser descrito e simplificado em meia dúzia de linhas, é extremamente complexo, pois lida com diferentes escalas espaciais de análise, com geopolíticas minuciosas e contraditórias e com dinâmicas culturais em choque. Devendo ainda ser acrescentado o fato de que, ainda o estamos vivendo, o que dificulta mais sua real apreensão, e de que prever suas futuras conseqüências nada mais é do que um exercício de “imaginação futurística”, que pode ou não ocasionar erros. Contudo, o cenário acadêmico se angustia em teorias que tentam fornecer uma "face" a esse processo, que na maioria das vezes apresenta-se "obscuro ou destorcido" em suposições e divagações que hora o enaltecem, hora duvidam de sua real dimensão, e hora o criticam.


      A dúvida se vivemos um novo momento histórico, um rompimento com a modernidade, uma pós-modernidade que traz consigo novos valores e dinâmicas sociais, ou se estamos na realidade vivendo um acirramento da modernização, resultado de sua maior expansão e alastramento pelo mundo, subjugando, desenraizando e entrando em choque com culturas não ocidentais, impondo o capitalismo como modo de produção, é um dos pontos altos do debate sobre o tema. Autores como Featherstone, por exemplo, argumentam que entender a globalização como uma extensão da modernidade é “deixar de lado não apenas a variabilidade cultural de nações-estado e civilizações não ocidentais, mas também a especificidade do complexo cultural da modernidade ocidental" (Featherstone, 1996, p.10).


      Nesse contexto, Galvão (1998) destaca o papel de nomes como Robertson e Giddens como referências na literatura sobre globalização.

 

      Robertson encara a globalização não apenas como fruto do processo de expansão da modernidade ocidental, mas como um conceito que "refere-se ao mesmo tempo à ‘compreensão do mundo’ e à consciência do ‘mundo como um todo’" (apud Galvão, 1998, p. 40), em que o conhecimento e a exposição do outro é um fator de afirmação da própria identidade.

 

      Giddens vê a globalização como uma parte da modernidade e, nesse sentido, o momento em que vivemos seria o momento em que as conseqüências da modernidade se materializam e se radicalizam. Giddens define globalização "como a intensificação das relações sociais de alcance mundial, que vinculam lugares distantes de tal forma que acontecimentos locais são influenciados por eventos remotos, e vice-versa", ou seja, os acontecimentos locais são influenciados e influenciam acontecimentos distantes (apud Galvão, 1998, p.44)

 

      O fato é que o termo globalização tornou-se uma palavra da moda e por isso seu significado quer dizer muitas coisas, gerando muita confusão quanto ao que realmente representa. Cardoso encara o termo como mais "um daqueles conceitos tão amplos, que é empregado por diferentes pessoas para explicar fatos de natureza completamente diversa", sendo que, mesmo quando relacionado diretamente à economia, ainda assim, pode ser associado a diferentes fenômenos. (Cardoso, apud Galvão, 1998, p. 38)


      O que deve ser frisado é que, longe de ser um processo apenas econômico, a globalização é também um processo social, entendendo a sociedade como um corpo social que influencia e é influenciado, no tempo e no espaço, por fenômenos produzidos pelos próprios homens em sua relação em comunidade e, com o meio físico onde vivem a partir de uma lógica dialética e complexa.


      Para a Geografia, mais importante do que discutir se esse fenômeno faz parte da modernidade ou não, é tentar buscar de forma crítica às conseqüências de seu impacto sobre a sociedade e tentar desfazer mitos, como o da homogeneidade mundial que mascaram o acirramento do fenômeno de exclusão social, que o processo de globalização traz consigo.


2 – O local em confronto com o Global


      Segundo Featherstone, a lógica totalizante é um dos maiores problemas presentes na tentativa de gerar uma teoria sobre a globalização. Pensar na possibilidade de um mundo unificado e homogêneo é superestimar o papel dos processos universalizantes, gerados pelas tecnologias de comunicação e pelo mercado financeiro, como agentes capazes de diminuir a importância das culturas locais. Nesse sentido, o mundo passa a ser um só lugar que tem como base o contato e o diálogo entre as nações, blocos e civilizações num "espaço dialógico em que a expectativa é de discordância, conflito e confronto de perspectivas e não apenas trabalho conjunto e consenso". (Featherstone, 1996, p.10)


      Assim, o momento em que vivemos é marcado por um processo dialético entre o local e o global, onde o singular (o raro) dialoga com o banal (o trivial) e a teia de relações sociais estabelecidas a partir desta lógica pode ser entendida como sendo a manifestação de uma lógica, que longe de ser simples e explicável conceitualmente, é extremamente complexa e se alicerça em diferentes níveis e escalas de valores culturais no tempo e no espaço.

      O avanço da modernidade não destrói as especificidades e tampouco homogeiniza as culturas. A permanência de rituais e cerimônias em que prevalecem códigos e símbolos originais ou recriados em função do contato com outras culturas, atua "como baterias que guardam e recarregam o sentido de comunidade" (Featherstone, 1996, p. 16) e que, somadas as memórias coletivas, dotam os indivíduos de um sentimento de pertencimento ou não à comunidade, ou seja, preservam o local não através de isolamento, mas através do contato, solidificando, criando ou recriando práticas de inclusão e exclusão, obstaculizando assim, o avanço hegemônico da cultura ocidental pelo espaço geográfico mundial.

 

       A própria construção do Estado-nação é um processo de inclusão e de exclusão. Ritos, símbolos e memórias coletivas dotam o espaço de significado. O espaço físico torna-se também simbólico, um lugar onde se dá a criação de uma comunidade nacional. Em outras palavras, a identidade nacional é o resultado da manifestação das territorialidades em um dado espaço, que une pessoas por um sentimento de inclusão, de pertencimento àquela realidade, àquele espaço vivido, aquela nação, como acontece por exemplo, com os Palestinos na atualidade.


      As relações sociais que unem uma comunidade, acirram-se justamente quando esta comunidade entra em contato com outra. Mesmo que internamente as relações sociais se caracterizem por complexas, elas tendem a serem vistas de forma simplificada e integradas dentro de uma lógica (mesmo que não sendo compreendida) pelos de fora da comunidade, provocando neles um sentimento de exclusão, de não pertencimento.


      Assim, através do contato, da criação e recriação de símbolos de poder, inclusão e exclusão, o processo de globalização, longe de homogeneizar, promove o choque entre culturas e instituições, entre o local e o global, de forma que as identidades firmam-se e/ou transformam-se, mas não desaparecem.


      O mundo contemporâneo não esta vivendo um empobrecimento cultural “ao contrário, tem havido uma extensão de repertórios culturais e aumento dos recursos de vários grupos para criar novos modos simbólicos de afiliação e pertencimento, esforçando-se para retrabalhar e reformular o significado de signos existentes”. (Featherstone, 1996, p.19)


      Desta forma, a pluralidade está presente no processo de globalização, o que significa dizer que este processo não está simplesmente reduzido ao avanço da modernidade ocidental. Ao contrário, tal avanço encontra barreiras com as quais interage suscitando diferentes respostas, como por exemplo, a resistência árabe no Oriente Médio na atualidade.


      Contudo, não deve-se também minimizar a força da economia capitalista ocidental em seu processo de conquista e alastramento pelo mundo. Deve-se apenas ver esse processo como dialético e complexo, já que muitos fenômenos frutos de choque cultural, ressurgimento e criação de signos de exclusão e inclusão são justamente resultado das dinâmicas e modificações nas estruturas de reprodução social, causados pelo avanço da lógica capitalista sem compromisso social, promovendo disputas de ordem não só sociais, econômicas e políticas, mas também conflitos "culturais, religiosos, lingüisticos e raciais [...] emergem xenofobias, etnocentrismos, racismos, fundamentalismos, radicalismos, violências". (Ianni, 1996, p.25)


      Portanto, percebe-se que o mundo sem fronteiras não existe. Mesmo que as fronteiras geográficas entre os Estados-nação se diluam, as diferenças culturais entre os povos continuarão a demarcar o território, que continuará a ser um campo de lutas e de poder. Ao contrário de eliminar o local e homogeneizar o mundo, o processo de globalização tem como uma de suas características acirrar as diferenças entre as comunidades. As diferenças entre as civilizações são um fator de estabelecimento de fronteiras culturais, o que pode-se entender como barreiras subjetivas que se materializam no espaço com a formação de mercados e blocos, ou servem de empecilho para seu estabelecimento. Assim, as fronteiras geográficas, que no novo mundo globalizado unirão ou excluirão os povos, passarão a ser cada vez mais demarcadas em função de elementos subjetivos, baseados principalmente em aspectos culturais, que tendem a unir em função da identificação entre os povos.

 


Referências bibliográficas:


ANDERSON, Perry. et al. Pós-liberalismo. Rio de Janeiro: Paz e terra, 1995.

FEATHERSTONE, Mike. Localismo, globalismo e identidade cultural. Revista Sociedade e Estado, v11, n1, p. 09-42, jan. / jun. 1996.


GALVÃO, Marcos B. A. Globalização: arautos, céticos e críticos (primeira parte). Política Externa. São Paulo: Paz e Terra / USP, v 6, n 4, p. 36-88, março, 1998.


HEIBRONER, Robert L. A natureza e a lógica do capitalismo. São Paulo: Ed. Ática, 1988.

IANNI, Octávio. A era do globalismo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1996.

SANTOS, Milton. A natureza do espaço. Técnica e Tempo. Razão e Emoção. São Paulo: HUCITEC, 1997. 310p.


 



 

terça-feira, 16 de julho de 2024

Monografia: Água - Análise da Escassez e Gestão no Município de Canguçu - RS

       Trata-se de meu TCC. Pesquisa relevante que realizei no 1° semestre de 2006 em minha cidade Natal, Canguçu. Agradeço publicamente o auxílio da Sra. Mariza Helena Dias de Aquino Eslabão, vice Prefeita na época, pela abertura de portas junto a órgãos públicos locais, especialmente a Biblioteca Pública Municipal de Canguçu, com a colaboração incansável de seus servidores em reunir os mais variados arquivos disponíveis na época sobre a temática. Trabalho disponível em versão impressa na Biblioteca do ICH/UFPel e Biblioteca Pública de Canguçu e, na íntegra, disponível no site da UFPel no link:

https://pergamum.ufpel.edu.br/acervo/91946

https://pergamum.ufpel.edu.br/pergamumweb/downloadArquivo?vinculo=QkQ2MDI4NFkyOWtSVzF3Y21WellUMHpOakltWVdObGNuWnZQVGt4T1RRMkpuTmxjVkJoY21GbmNtRm1iejB5Sm5ObGNWTmxZMkZ2UFRnbWEyRnlaR1Y0UFU0bWJHOWpZV3hCY25GMWFYWnZQVU5QVFZCQlVsUkpURWhCVFVWT1ZFOG1ibTl0WlVOaGJXbHVhRzg5TURBd01URmxMekF3TURFeFpXSXhMbkJrWmc9PTJFNjY2NzE=&nomeExtensao=.pdf

quinta-feira, 11 de julho de 2024

ARTIGO - FORMAÇÃO SÓCIO-ECONÔMICA DE UM BRASIL AGRÍCOLA

 FORMAÇÃO SÓCIO-ECONÔMICA DE UM BRASIL AGRÍCOLA[1]

 

Juliano de Moraes de Aguiar[2]

                                  

RESUMO:

O artigo trata de reflexões acerca da evolução da agricultura brasileira ao longo da formação da sociedade brasileira. São analisadas as formas como essa agricultura foi implantada neste país, as funções geradas a partir daí e, as repercussões econômico-sociais concentradoras da renda, que o modelo agrícola implantado no Brasil trouxe para o povo brasileiro.

 

PALAVRAS-CHAVE:

Espaço Agrário Brasileiro, Geografia Agrária, Agricultura Brasileira,

Brasil Agrário.

 



[1]  Artigo apresentado na disciplina de Geografia da Agricultura Brasileira, sob a orientação da profª. Drª. Giancarla Salamoni.

[2]  Aluno (a) do curso de Pós-Graduação em Geografia - Especialização - 2006 - ICH - UFPEL. aguiarjuliano@yahoo.com.br



1 – INTRODUÇÃO

 

      No Brasil, as mudanças no espaço agrário na virada de milênio são semelhantes às ocorridas entre anos de uma mesma década. Porém, entrar num novo milênio, significa acima de tudo, renovar as esperanças de que mudanças poderão transformar a sociedade. “O século XX foi um século de morte e abandono de velhas utopias e foi, ao mesmo tempo, um século em que se plantaram novas utopias”. ( ANDRADE, 2002, p. 12 )

      Dentre as novas utopias destacam-se o ambientalismo e a supervalorização do mercado. Na visão de Andrade (2002), essas novas utopias provocam exageros que, ao chegarem a um nível extremo irão provocar cenários de tensão e retrocesso evolutivo. Com relação ao ambientalismo, Andrade, critica o exagero de fundamentações que querem transformar grandes porções da Terra, naquilo que ele chama de “Santuários Ecológicos”. Ademais, o autor evidencia que essa utopia esta ligada também a Globalização e ao Neoliberalismo, pois, o bem estar e a renda concentram-se cada vez mais nos paises ricos que, para chegarem a esse patamar degradaram o seu meio ambiente e, ao atingirem a riqueza criam teorias para que os países pobres protejam o ambiente, evitando assim a possível concorrência e, estagnando-se no subdesenvolvimento passando a permitirem a exploração de seus recursos por potências hegemônicas. A super-valorização do mercado, como mentor das relações humanas, gera o fantasma da concentração da renda que tende, pouco a pouco, a separar a humanidade e provocar novas lutas e catástrofes.

                                                                                             

Da mesma forma que no século XIX procurava-se enaltecer o progresso, afirmando que este resolveria todas as pendências, sofisticando a civilização, no fim do século XX procura-se deificar a tecnologia em função do que chamam de modernidade, já se falando até em pós-modernidade. ( ANDRADE, 2002, p. 12 )

                                              

      Atualmente, os teóricos modernistas e, portanto, dominantes, consideram que a tecnologia e, a produção e reprodução desta que alimenta o mercado, irá resolver os problemas sociais. Na verdade essa idéia está equivocada e, nesse caminho linear o homem correria em “direção a um ponto no qual ocorreria o fim da história”. ( FUKUYAMA apud ANDRADE, 2002, p. 12 ). A evolução da humanidade deve ser diferenciada, ou seja, de maneira equilibrada, de modo que, ocorra avanços e retrocessos que enriqueçam o processo numa constante interligação entre a tradição e a renovação. Em síntese, o homem para evoluir enquanto ser deve evitar a supervalorização do mercado, pois, este sobrepondo-se ao humano tende a desequilibrar as relações através da concentração da renda e provoca guerras que, significam um retrocesso a idades primitivas.

      Quanto ao Sistema Agrário Brasileiro, este é caracterizado pelas Velhas Formas que impedem a formação de Novas Funções. As Velhas Formas exploratórias portuguesas, herdadas das Sesmarias, que deram origem ao Latifúndio e a concentração do poder nas mãos de poucos. Essa Velha Forma, que permanece devido a não consolidação da Reforma Agrária, caracteriza-se pela exploração dos recursos e dos cidadãos brasileiros por poucos, para o enriquecimento próprio e de nações estrangeiras aliadas, em detrimento do povo. Essa Velha Forma, inibe a formação de uma Nova Função, ou seja, de um mercado interno sólido que poderia alavancar o verdadeiro desenvolvimento do Brasil. A Reforma Agrária seria a maneira de mudar a Velha Forma produzindo uma Nova Função, ou seja, uma agricultura mais dirigida para o fortalecimento do mercado interno, com diversificação de produtos, com sustentabilidade ambiental, social, econômica, política, em detrimento da monocultura latifundiária exploratória exportadora.

      As idéias reformistas do Setor Agrário foram de pouco sucesso e muito combatidas no final do Império e durante a República Velha. Só após 1930 é que se difundiu as Novas Formas – Propriedade Familiar, Cooperativa e Coletiva – que, passaram a dar Nova Função ao Setor Agrário. Nesse contexto mais atual, é que surgiram novas maneiras de se fortalecer a luta pela Reforma Agrária, como por exemplo, o MST e outras ligas camponesas.

      “A extensão territorial do Brasil dificulta a apresentação de um quadro onde sejam definidas as formas e as funções da propriedade agrária”. (ANDRADE, 2002, p. 16). Devido a extensão do Brasil, existem numerosas Formas e Funções, Velhas e Novas que, mantém-se através dos tempos, já que, este território grande é um dificultador para inovações. Nesse cenário, a expansão da Fronteira Agrícola para o noroeste do país é impregnada de Velha Forma, pois, o governo apóia e subsidia a exploração de novas áreas por grandes empresas, na sua maior parte de natureza latifundiária exportadora. Já no nordeste, ocorre o processo inverso, o tão tradicional Latifúndio exportador está cedendo lugar a Novas Formas e Funções, com a divisão das grandes propriedades e a diversificação da produção.

      Parece, que com a histórica Política Agrária Brasileira, é necessário primeiro empobrecer e explorar uma região, como o nordeste no passado e o noroeste atualmente, para posteriormente, tentar reestruturá-la democratizando o acesso à terra, como atualmente ocorre no nordeste.

      Nesse contexto, cabe lembrar, porque algumas sociedades antigas e atuais foram bem ou mal sucedidas na resolução de seus problemas ambientais e, conseqüentemente, na resolução de seu desenvolvimento e sustentabilidade.

      De acordo com Diamond ( 2005 ), os problemas ambientais mais sérios enfrentados tanto no passado como atualmente, recaem sobre uma dúzia de grupos. “Os primeiros quatro dos 12 consistem na destruição ou perda de recursos naturais; os três seguintes envolvem limites de recursos naturais; os outros três consistem em coisas perigosas que produzimos ou transportamos; e os dois últimos são questões populacionais”. ( DIAMOND, 2005, p. 581 ). Oito desses grupos eram significativos no passado, enquanto que quatro, são problemas ambientais modernos. O que se extrai das afirmações deste autor é que, tanto no decorrer da evolução das sociedades passadas, como no desenvolvimento das atuais sociedades, existe um exaustivo e intenso processo de degradação do ambiente que, em longo prazo torna insustentável o estilo de vida adquirido com a evolução das novas tecnologias. A natureza impõe limites de exploração de seus recursos e, estes não são conhecidos e, nem ao menos levados em conta no decorrer da evolução de cada sociedade. Esses limites sempre são ultrapassados pelo homem, fato que, resulta em um “alto preço” a longo prazo, cobrado pela própria natureza, pois, sempre após o auge da evolução de cada sociedade, esta entra em um acelerado processo de declínio, já que, o modo de vida adquirido é insustentável. O homem, mesmo com seu elevado nível de inteligência, não consegue vencer seu próprio instinto auto-destrutivo, ou seja, não consegue viver de maneira sustentável, pois, seus sistemas de vida sempre tendem a concentrar mais recursos do que o necessário para a sobrevivência em cada sociedade. O sistema capitalista atual trata-se de uma nova versão de sistemas antigos que, concentravam riquezas nas mãos de poucos a um custo de intensa exploração insustentável dos recursos e, levaram tais sociedades ao colapso. Nesse cenário de falsas afirmações de que a Terra ainda comporta um numero maior de seres humanos, pouco se valoriza as premissas de alguns autores de que, no nível atual de evolução, com o estilo de vida do primeiro mundo, que é repassado mecanicamente ao terceiro mundo, a vida humana está com os dias contados sobre a Terra, pois, no passado algumas sociedades atingiram o apogeu e, depois com a exaustão de seus recursos entraram em colapso ate a extinção. No entanto, deve-se levar em conta que tais colapsos deram-se em uma escala local, visto o isolamento em que se situavam, porém hoje, com a Globalização, quando o homem exaurir os recursos da Terra certamente entrará em recessão acentuada, com a proliferação de Guerras até o colapso total. No passado as sociedades se auto-destruíram, não explorando seus recursos racionalmente, mas, como a escala de exploração era local a humanidade sobreviveu e passou a explorar outras áreas, porém, se o homem agora degradar demasiadamente a natureza certamente desaparecerá, já que, a Terra é o único lugar habitável conhecido. Assim como o progresso não resolveu os problemas da humanidade, a tecnologia também não os resolverá, pois, se ela foi feita para resolver os problemas atuais certamente trará como conseqüência outros problemas desconhecidos. O homem sempre age como se pudesse viver desconexo da natureza e, por isso, sempre busca levar um nível de vida que a natureza jamais poderá comportar.

      No entanto, os problemas com os quais estamos a cada dia nos deparando não são insolúveis. Resta aos educadores, intelectuais e, a cada cidadão consciente, disseminar idéias sustentáveis de desenvolvimento de maneira a sensibilizar e, adquirir o apoio da opinião pública para pressionar as autoridades, tanto em nível local, como global, a instaurar modelos e formas de vida racionalmente equilibradas com os recursos disponíveis, para que, a vida no planeta possa ser desfrutada pelas futuras gerações. É preciso criar uma opinião de que o momento atual é crucial, para que se possa retroceder no nível de vida degradante e, permitir a existência humana futura.

 

2 – A AGRICULTURA BRASILEIRA NO ESPAÇO E NO TEMPO

 

      A formação colonial brasileira, de acordo com Hirano ( 1988 ), está baseada nas teses do capitalismo e, do não capitalismo, que se divide nas variantes feudal-tradicional e feudal-marxista-ortodoxa. Entre as duas últimas situa-se pré-capitalista que afirma não ser a sociedade colonial nem feudal, nem capitalista.

      A tese do capitalismo diz que, ao aceitar o sistema capitalista desde sua gênese, portanto antes do advento da abolição do escravismo, o Brasil-colônia passa a ser uma economia capitalista periférica, com os setores de produção instalados no litoral visando o mercado externo. Esta concepção diz que o Brasil seria a periferia do sistema capitalista europeu em ascensão, e por isso, subordinada a este desde sua implantação. Essa tese reduz o trabalho escravo a uma modalidade do capital variável. O senhor e as raízes culturais implantadas aqui, segundo esta tese, afirmam que a colônia estava interligada ao capitalismo europeu, na condição da periferia deste. A abolição nessa proposta não foi uma espécie de revolução burguesa necessária para se migrar de um sistema arcaico para outro, mas sim, uma etapa mais avançada do processo capitalista da colônia visando uma maior rentabilidade do trabalho assalariado e a formação de um mercado consumidor de manufaturados europeus.

      Já a tese do não-capitalismo, “acorda com o que Marx afirma ao desenvolver a tese de que a acumulação originária - primitiva - é anterior a acumulação capitalista (...), uma acumulação que não decorre do modo capitalista de produção, mas é o seu ponto de partida”. ( HIRANO, 1988, p. 28 ). Essa acumulação resultante da relação comercial e da exploração da mão-de-obra escrava, é anterior à acumulação capitalista, advinda da mais valia, que é o excedente extraído do trabalho assalariado, principalmente através do prolongamento da jornada de trabalho. Nesse sentido, essa acumulação não decorre do modo capitalista, mas é o seu ponto de partida, assim sendo, essa acumulação não é capitalista, mas sim pré-capitalista, porque prepara a transição do mercantilismo para o capitalismo.

      Dentro da tese do não-capitalismo, na variante do feudalismo diz-se que as concessões outorgadas pelas Capitanias era uma extensão do feudalismo de Portugal e, que embora esse sistema estivesse em decadência nesse país era o mais vantajoso para explorar a colônia e enriquecer a metrópole.

      Ainda dentro da variante do não capitalismo tem-se a tese de que a colônia não era nem feudal, nem capitalista. Nesse sentido seria um novo modo de produção existente apenas na América do Sul, mais exatamente no Brasil. Segundo Gorender ( 1978 ), a Plantation, que ele chama de Plantagem, foi a forma de organização dominante do escravismo colonial. Segundo esse autor, todas as unidades produtoras não plantacionistas e todas as formas econômicas, se modelaram à economia de plantagem que, traduziu-se no novo modo de produção.

                                              

A estas determinações gerais e, portanto, extremamente abstratas, da plantation, enquanto modalidade econômica dominante no escravismo colonial, atribui-se uma tal dimensão e uma tal potencialidade, que as tornam elementos constitutivos de um modo de produção, o escravista colonial. O modo de produção escravista colonial é a plantagem, isto é, o conceito de plantagem dispensa o de modo de produção. ( HIRANO, 1988, p. 42 )

 

      A Plantagem seria assim, um novo modo de produção voltado para mercado externo e, justificada pela demanda deste. Sua função primordial não consiste em prover o consumo dos produtores, mas sim abastecer o mercado mundial. O trabalho escravo não permitiria a formação de um mercado consumidor para estes produtos, tornando assim este modo de produção extremamente explorador, tanto dos recursos brasileiros, como da mão-de-obra, em favor das nações mais desenvolvidas.

      Com relação à formação do Brasil Contemporâneo, Caio Prado Júnior ( 1999 ), faz uma análise com especial estudo sobre a formação da agricultura brasileira dividida entre, de um lado, a grande lavoura e, de outro, a agricultura de subsistência. A agricultura, para este autor, é o nervo econômico da civilização e, excluindo o insignificante ciclo do pau-brasil, é com ela que se inicia a colonização do Brasil.

      Como no Brasil foi instaurado uma colônia de exploração, voltada para os interesses da Metrópole, a grande lavoura teve terreno fértil para sua expansão, numa colônia dividida em Capitanias, baseada no latifúndio agrário exportador, que poderia ser melhor designado como “explorador”. A mão-de-obra gratuita dos escravos, aliada as terras férteis e abundantes e, o desejo de enriquecimento, através da exploração, fizeram com que a colônia brasileira, desde muito cedo, fosse inclusa no mercado mundial, como fornecedora de riquezas e matérias primas. A grande lavoura exportadora, como é sabido, trouxe consigo o fantasma da concentração da renda nas mãos de poucos, em detrimento da formação de um mercado consumidor interno forte que pudesse gerar o desenvolvimento da colônia. Não obstante, esta é a causa do Brasil, mesmo atualmente, ter seu litoral mais populoso que as demais regiões interiores. Isto demonstra que, historicamente este território esteve com seu desenvolvimento voltado para o mercado externo. Não fosse a mineração e a pecuária, “só a agricultura, a colonização não teria penetrado o interior; e é por isso que até o século XVII os portugueses continuavam a ‘arranhar o litoral como caranguejos’”. ( CAIO PRADO JÚNIOR, 1999, p. 133 ). Conforme disse o autor, somente a agricultura não teria povoado o interior da colônia, uma vez que, era o litoral o local de mais acessibilidade para a exportação. A cultura da cana deu-se sempre no litoral devido aos solos e a facilidade para a exportação, a exceção é a monocultura do algodão que devido aos solos passa a localizar-se mais para o interior. Tanto a monocultura da cana, como a do algodão estiveram ligadas a demanda internacional, sendo o açúcar artigo de luxo na Europa enquanto o algodão serviu de matéria-prima para a indústria inglesa em ascensão. A grande lavoura trouxe como conseqüências a pobreza e a miséria, como é o caso do nordeste atualmente, pois, esta monocultura exportadora tem como função primordial a exploração da região para o enriquecimento externo.

      Ao lado da prioritária monocultura exportadora, desenvolveu-se uma agricultura com a função de abastecer de suprimentos as populações coloniais. Porém sua distribuição também está ligada a grande lavoura, uma vez que, na maioria dos casos, esta agricultura localiza-se dentro dos domínios dos engenhos e das fazendas e serve para manter os mesmos. As zonas urbanas, em certos momentos dependia da importação de suprimentos, já que, a agricultura local era destinada ao exterior e não produzia excedentes alimentares suficientes para as cidades. A agricultura de subsistência estava em segundo plano e, a cada alta dos produtos exportáveis era abandonada causando o desabastecimento da colônia. A localização dessa agricultura se dá nas zonas marginais da grande lavoura, assim como, nas proximidades das cidades as quais serve em terras desgastadas pela grande lavoura. Essas cidades, também localizam-se em “centros de grande lavoura; resultam aliás da presença destas grandes lavouras, únicas atividades capazes na colônia de provocar a formação de aglomerações urbanas de certo vulto”. ( CAIO PRADO JÚNIOR, 1999, p. 160 ). O fato dessa agricultura de subsistência ser tão menosprezada na colônia fez com que essas populações convivessem com o fantasma da fome.

      É graças a essa organização agrária que, mesmo futuramente o RS foi considerado o Celeiro do Brasil, devido a sua colonização diferenciada. É desses tempos remotos que brotaram as raízes da concentração da renda, do subdesenvolvimento e do fraco mercado interno brasileiro.

      Com relação à formação da agricultura brasileira, outra grande problemática enfrentada, durante o Brasil-Colônia, foi à mão-de-obra escassa para o trabalho agrícola.

 

O primeiro censo demográfico, realizado em 1872, indica que nesse ano existiam no Brasil aproximadamente 1,5 milhão de escravos. Tendo em conta que o número de escravos, no começo do século, era de algo mais de um milhão, e que nos primeiros cinqüenta anos do século XIX se importou muito provavelmente mais de meio milhão deduz-se que a taxa de mortalidade era superior a de natalidade. ( FURTADO, 1980, p. 117 )

 

      Tal situação se explica pela condição precária a que o escravo estava exposto na Plantation, ao contrário dos escravos norte-americanos que, devido a estarem em propriedades pequenas onde a qualidade de vida era melhor, tinham um grande crescimento vegetativo.

      O problema central era que para aumentar a produção tinha-se que explorar ao máximo a mão-de-obra, já que, terra tinha-se em abundância. O que agravou o problema foi à divisão de Sesmarias, pois, esta prática concentrou a propriedade nas mãos de poucos que, para enriquecerem usaram grandes propriedades em um nível de grande exploração dos escravos, não permitindo uma agricultura de subsistência adequada para suprir a demanda por alimentos e a melhora da qualidade de vida. Com a escassez de braços para a lavoura e, a difícil adaptabilidade na Plantation da força de trabalho disponível nas cidades e na agricultura rudimentar de subsistência, criou-se a idéia de que não se tinha outra saída para o problema a não ser importar estrangeiros para o país. A imigração foi estimulada para o Brasil assim como ocorrera nos EUA, porém, nos Estados Unidos não era para suprir falta de mão-de-obra. Inicialmente esses imigrantes não resultaram em mão-de-obra para a Plantation, pois devido às precárias condições a que foram expostos, involuíam para uma atividade de subsistência. A classe burguesa cafeeira percebendo que a imigração governamental não contribuía para solucionar o problema, tratou de contratar colonos na Europa, entretanto, o sistema também não deu certo porque foi rotulado como uma escravidão disfarçada. A imigração só se efetivou com sucesso quando, em 1870, o Governo Imperial passou a cobrir os gastos da viagem dos imigrantes e, a elite cafeeira a garantir a instalação por um ano e a destinar uma roça para que o imigrante pudesse cultivar seus produtos básicos. Aliado a essa nova política de imigração, outro fator que contribuiu para o sucesso foi a unificação italiana, que provocou profundas conseqüências econômicas negativas naquele país estimulando seus habitantes mais atingidos a emigrar para o Brasil.

      Aliado a imigração de origem européia, também se efetivou uma migração interna de população do nordeste para a Amazônia. Milhares de pessoas transferiram-se do nordeste para a região amazônica para a extração da borracha, indicando assim que, a mão-de-obra para a lavoura cafeeira já existia dentro do país antes mesmo da imigração estrangeira e, provavelmente, foi reservada intencionalmente para essa nova atividade econômica. Na região sul, onde a Plantation não foi acentuada, a agricultura se subsistência alicerçada numa terra abundante e de boa qualidade permitiu um grande crescimento vegetativo que, posteriormente, com a evolução do mercado interno impulsionado pelo café, possibilitou o rápido desenvolvimento da região.

      As duas correntes de população foram diferenciadas, enquanto o imigrante europeu teve assistência governamental e dos cafeeiros, os nordestinos que foram para a Amazônia foram expostos a condições extremamente precárias, pois, o trabalhador “começava a trabalhar sempre endividado, pois via de regra obrigavam-no a reembolsar os gastos com a totalidade ou parte da viagem, com os instrumentos de trabalho e outras despesas de instalação”. ( FURTADO, 1980, p. 134 ). Este fator diferenciador de instalação dos colonos nordestinos, ocasionou um péssimo desenvolvimento humano e econômico da região, numa economia que apenas necessitava distribuir sua excedente mão-de-obra de um local para outro internamente, sem imigração estrangeira.

      Quanto à abolição da escravidão, o temor era de que o escravo ao ser liberto se dedicasse a subsistência diminuindo a mão-de-obra disponível. No entanto, a Lei de Terras de 1850, anterior, portanto, à abolição, tratou de dificultar essa possibilidade, uma vez que, mesmo liberto o ex-escravo teria que trabalhar para o patrão por um baixo salário para sobreviver, eximindo este último dos gastos com sua alimentação. Essa impedição à propriedade da terra por posse, possibilitou que fosse possível criar um “mascaramento” de liberdade no Brasil com a abolição, sem que, a estrutura principal de produção fosse alterada.

      Existem ainda, outras questões ligadas ao desenvolvimento da agricultura brasileira ao longo do século XIX, no que diz respeito à organização e principalmente, ao uso da mão-de-obra existente na época. Embora servil, essa mão-de-obra não apresentava grandes resultados econômicos para o país, já que, o escravo não trabalhava estimulado, por ser uma espécie de “mercadoria”. O fim do escravismo e a implantação do trabalho livre deram-se de maneira simultânea e inter-relacionada. A mão-de-obra era escassa e, para que se seguisse à tendência mundial de erradicação do escravismo, o país necessitava de outra forma de trabalhador barato. Foi então que se começou a implantar o trabalho livre e, proporcionalmente, erradicar o escravo, de maneira que a grande lavoura dispusesse de mão-de-obra suficiente. A escravidão sempre fora a base da sociedade brasileira, sendo tão imprescindível que não foi alterada nem mesmo com a Independência do Brasil. A abolição teve sua gênese com a proibição do tráfico negreiro em 1850, porém, só se efetivou totalmente em 1888.

 

Essa demora foi devida em boa parte à reativação e ao redirecionamento da economia primário-exportadora, por meio da expansão da cafeicultura. [...] Foi ela que, em última análise, propiciou o revigoramento do trabalho servil em nosso país, numa época em que ele estava sendo erradicado no mundo todo. ( SZMERECSÁNYI, 1990, p. 30 )

 

      Aliado à expansão da cafeicultura, existia também demora na efetivação do trabalho livre suficientemente satisfatório, obrigando assim os produtores, a continuar fazendo uso do modelo escravista.

      A formação de um mercado de trabalho capitalista ocasionado pela abolição, inicialmente só ocorreu em alguns centros urbanos e na lavoura cafeeira do oeste paulista, foi a imigração que, posteriormente, acelerou esse processo. Ademais, para que esse mercado exista é preciso que tenha-se trabalhadores livres e destituídos dos meios de produção. Nesse sentido, aliado à abolição e a imigração de camponeses proletários europeus, a Lei de Terras de 1850 veio a propiciar estas condições, uma vez que, impossibilitou que ex-escravos, proletários imigrantes e nacionais, estes últimos já em grande número na época, tivessem livre acesso a terra, meio de produção tão importante para as sociedades pré-industriais.

      Alguns são os fortes motivos para a resistência do escravismo no Brasil, dentre eles destacam-se a distribuição espacial dos escravos e, a cultura enraizada nacionalmente de status social para o Escravagista. No que diz respeito à distribuição, os escravos estavam mais concentrados nas áreas de lavouras agro-exportadoras, onde chegavam a significar a maior parte do contingente populacional. Estas áreas caracterizavam-se por serem altamente concentradoras do poder econômico e político nas mãos de uma elite minoritária que, resistia muito em libertar sua mão-de-obra servil, por temer uma grande perda de poder ao efetuar-se uma mudança no sistema de organização do trabalho. Ademais, estava implícito na cultura do Brasil escravocrata, uma condição de status social, para todo o homem livre que mantivesse sob seu domínio o maior número possível de escravos.

      Todavia, o problema da escassez de mão-de-obra acentuava-se, já que, tinha-se proibido a importação de escravos e o crescimento vegetativo dos mesmos era negativo. Resulta daí um tráfico interno no país, de uma região estagnada para outra em ascensão. Isso ocasionou uma concentração de escravos maior nos Estados do sudeste que cresciam mais, principalmente, as custas do café. Nesse período, a grande massa de escravos transferiu-se do nordeste para o sudeste, fato que diferencia-se dos anteriores, pela grande intensidade e fluxo. A abolição só começou a ganhar força depois da Guerra do Paraguai, deixando de ser discutida apenas dentro do Parlamento, para tornar-se um ideal, nas mentes de profissionais, pequenos comerciantes e homens livres dos centros urbanos, que não estavam ligados à escravidão. Assim sendo, “não constitui exagero dizer que o abolicionismo configurou o primeiro movimento social urbano de massas no Brasil, nele tendo sido muito importante a participação crescente dos mulatos e negros, livres e libertos”. ( SZMERECSÁNYI, 1990, p.36 ). Foi devido a esses movimentos urbanos que a Lei do Ventre Livre foi promulgada.

      Porém, mesmo com a abolição à condição dos escravos pouco se alterou, pois, estes foram abandonados a própria sorte, sendo dado prioridade para o trabalhador imigrante. Essa política já faz parte do mercado de trabalho capitalista em ascensão, já que, os ex-escravos e proletários livres, passaram a engordar o exército de reserva de mão-de-obra barata a ser explorado eventualmente pela burguesia. Fato semelhante já ocorria antes da abolição com alguns proletários rurais, que plantavam para subsistência e eram aproveitados pela grande lavoura apenas nas safras. Esse não aproveitamento da mão-de-obra disponível internamente repercutirá em problemas futuros que perduram até a atualidade, como por exemplo, o inchaço das cidades com a Favelização. Tanto o problema do descaso com o trabalhador livre nacional, como com o ex-escravo, são repercussões de políticas elitistas no Brasil que, para atender a interesses próprios, alavancaram uma onerosa política de imigração que, serviu apenas para atender os interesses de poucos burgueses, em detrimento dos interesses de desenvolvimento do país, com sérias repercussões tanto nas finanças da nação, como na precariedade da classe proletária brasileira. É evidente que, as políticas brasileiras desde a colonização são de exploração, pois, em momento algum até o século XIX se agiu de forma a desenvolver o país harmonicamente. Grande parte dos problemas atuais, como favelização, alta concentração da renda, desemprego, inchaço urbano, etc; tem suas raízes nas antigas políticas de concentração da terra nas mãos de poucos. A necessidade de uma Reforma Agrária no Brasil, já é a anos gritante, para que este país possa desenvolver-se. Sem dúvida alguma, foram as ações mesquinhas e exploratórias que se desenvolveram no Brasil, desde a colonização, que levaram este país a não desenvolver-se de maneira semelhante aos demais da América.

      Com relação a evolução dos modos de produção nas várias partes do Brasil, onde domina ou dominou a Plantation e seus produtos de exportação, tenta-se discutir e fazer algumas considerações a partir de agora.

      No Brasil, ao contrário da Europa, onde predominava a Agricultura Familiar, foi implantado a Plantation, visto que, o objetivo era explorar a Colônia em prol da Metrópole.

 

A colonização e o povoamento do Brasil, iniciados na quarta década do século XVI, foram feitos visando o abastecimento do mercado europeu, por produtos tropicais e por metais, pretendendo Portugal obter vantagens econômicas como intermediário entre sua colônia americana e aquele mercado. Desfeito o sonho do encontro fácil de metais na costa do Brasil ou de povos com um grau de civilização que permitisse o intercâmbio comercial e que dispuzessem de cidades com riquezas acumuladas que pudessem ser saqueadas, passaram os portugueses a desenvolver no litoral da nova colônia a agricultura canavieira com vistas a intensificar o comércio entre o Novo e o Velho Mundo. ( ANDRADE, 1978, p. 31 )

 

      Para esse sistema de produção tornou-se necessário a escravidão, que não tendo tido êxito com o indígena, foi implantada com o negro. Como a exportação deveria ser feita em grande escala, necessitou-se criar um sistema com grandes unidades produtoras, com numeroso número de trabalhadores submetidos à autoridade de um proprietário. Essas características da agricultura implantada é que demandaram a existência das sesmarias, dos latifúndios e do trabalho escravo. No Brasil o escravismo foi implantado e, tornou-se o modo de produção, dependente economicamente em escala mundial do capitalismo europeu em expansão. Como o Brasil era colônia de exploração, teve um modo de produção arcaico e dependente, implantado desde o início da colonização, com o objetivo de submeter essa Colônia à Metrópole. Enquanto na Europa o capitalismo já estava ascendendo, no Brasil foi implantado propositadamente um sistema que já era ultrapassado. Esse fato aliado às dificuldades em realizar a Reforma Agrária, explica a atual dependência externa do país.

      O sistema escravocrata só decaiu, quando a ampliação da área povoada e, a diversificação das atividades econômicas, passaram a exigir uma maior especialização, melhor qualidade e, maior estabilidade econômica que não ocorria com a agricultura de exportação e a mineração.

      Ao lado da Plantation, surgiu uma agricultura de subsistência formada por uma classe pobre. Aí surgiram outras formas de trabalho que não o escravo, com a função de manutenção e abastecimento do mercado interno. Em alguns casos esses pobres agricultores trabalhavam alguns dias da semana para o patrão por um baixo salário e, dedicavam-se nos demais dias a cultivar suas roças. Em outros casos cultivavam as terras do proprietário sob a condição de dividir a colheita ficando 1/3 ou 1/2 para o dono da terra. “Temos assim um modo de produção que, acreditamos, poder chamar de mercantil simples”. ( ANDRADE, 1978, p. 35 )

      Ultimamente, o modo de produção capitalista acentua-se no campo e o trabalhador rural se proletariza, vendendo sua força de trabalho por um salário geralmente baixo e incerto. A ampliação da agricultura comercial acentua-se, face a fatores como, a mão-de-obra barata, a extensão das terras e, as legislações que visam desapropriar terras improdutivas. Com a proletarização do trabalhador e a acentuação da agricultura comercial, o trabalhador passa a residir nas periferias urbanas e, desempenhar funções como as dos Bóia Fria, legitimando o Êxodo Rural.

      Outro fator que contribui para a decadência da Agricultura Familiar é que, a assistência agronômica e o crédito chegam mais facilmente aos grandes proprietários, visto que, estes tem maior acesso ao banco e oferecem garantias aos empréstimos, enquanto que, os pequenos agricultores, face às dificuldades e obstáculos erguidos à eles, chegam até a temer realizar transações bancárias.

      Todos esses fatores degradantes do meio ambiental e social, provém da agricultura baseada na grande propriedade, que foi introduzida a séculos, com o objetivo de exportar e, continua até hoje, a canalizar as riquezas do Brasil para o exterior em detrimento do povo brasileiro.

 

3 – CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

      No noroeste do RS, particularmente, as transformações ocorridas na agricultura familiar e as estratégias desenvolvidas pelos agricultores para organizarem-se, fizeram desta região, uma exemplar exceção no Brasil. Por estar integrado ao mercado, adotar a especialização deste e, incorporar os avanços da tecnologia esse produtor não é apenas um camponês, no entanto, também não pode ser considerado um empresário capitalista, uma vez que, é o próprio proprietário da terra em que produz, vive dos produtos extraídos desta, não vende sua força de trabalho nem explora outros, já que, utiliza o trabalho familiar. Uma característica bastante peculiar desta região e que, a diferencia da tradicional Plantation brasileira é que, a renda é melhor distribuída entre os trabalhadores e, estes por serem os proprietários dos minifúndios, tem um nível de vida melhor do que os proletários que vendem a sua força de trabalho para a grande lavoura. A policultura alimentar possibilita que estes colonos retirem da terra quase tudo o que dependem para sobreviver, podendo ainda, comercializar os excedentes para incrementar sua renda.

 

Esses colonos tiveram em comum as práticas de uma policultura alimentar, caracterizada, de um lado, pelo cultivo de uma variedade relativamente grande de produtos e pela criação de suínos, gado leiteiro e aves, destinados principalmente ao consumo alimentar dos membros da família e para a comercialização; de outro, pela utilização intensiva do trabalho familiar. ( BRUMER, 1994, p. 91 )

 

      Com isso, esses colonos tornam-se pouco dependentes de políticas governamentais e, independentes da espoliação capitalista burguesa que ocorre na grande propriedade latifundiária. É graças a essa força de trabalho familiar e, ao retorno desta produção minifundiária em prol da família que, estes colonos atingiram um nível diferenciado de desenvolvimento em relação aos proletários da grande propriedade. Nesse modelo de produção, o trabalhador produz seu próprio sustento, conseqüentemente, alimenta-se melhor e produz mais excedentes que, retornarão em benefícios para a família.

      A inserção da soja na região propiciou, um processo de mecanização que reordenou a organização familiar de produção baseada na pequena propriedade. Essa expansão deu-se graças ao estímulo dado pelo governo federal na forma de crédito a baixos juros, que possibilitou a intensificação da mecanização nessas pequenas propriedades. A expansão da soja também estimulou a do trigo que já ocorria anteriormente, já que, foi possível intercalar as duas culturas na mesma área em estações diferentes. A cultura da soja também encontrou facilidades na organização por utilizar as Cooperativas Tritícolas já existentes. A soja cresceu também em produção, graças a altas nos preços no mercado internacional até a década de 70, ao qual se dirigia grande parte da produção. Porém posteriormente, as condições de produção da soja declinaram e, as cooperativas e os órgãos de extensão, passaram a estimular a diversificação da produção com a criação das agroindústrias de processamento. O fator que mais dificultou a generalização da empresa capitalista na região foi o tamanho pequeno das propriedades rurais e, as dificuldades dos produtores na aquisição de tratores e máquinas, aliado ao fato de que, o grosso da produção era baseado na mão-de-obra familiar. Junto a isso, a cultura da soja encontrou regiões bem mais favoráveis ao seu desenvolvimento no centro-oeste brasileiro. No entanto, a cultura da soja e do trigo não desapareceu, visto que, é uma complementar alternativa de renda da produção familiar, podendo obter-se uma intensificação do uso da terra com a produção da soja no verão e do trigo no inverno.

      A diversificação da produção significa para os agricultores uma forma de economia de recursos, uma vez que, tornam-se menos dependentes do mercado com a policultura e, com menor risco de contrair dívidas, ao mesmo tempo em que podem obter uma intensificação do trabalho familiar com maior fixação dos membros na propriedade rural. Aliado a menor dependência para a manutenção da família com a policultura, alguns poucos agricultores desenvolveram uma outra maneira de incrementar a renda familiar através da aquisição de máquinas agrícolas com os créditos agrícolas. Além de usarem as máquinas no estabelecimento e ganhar tempo e produtividade, é possível alugar essas máquinas e algum membro familiar para outras propriedades e, assim maximizar a renda da família através da intensificação do fator trabalho. Esta renda permite o complemento do pagamento das máquinas e, pode ser considerada como uma espécie de renda empresarial, já que, para ser considerado “trabalho assalariado”, “enfrentaríamos a paradoxal situação de que é assalariado aquele que detém os meios de produção”. ( LOVISOLO apud BRUMER, 1994, p. 104)

      Foi graças à expansão do trigo e da soja e, as estratégias dos agricultores que foi possível a consolidação de produtores familiares modernizados, com alto nível de mecanização e produtividade física do trabalho. Entretanto, a penetração capitalista não foi completa graças a pouca utilização de mão-de-obra assalariada. Mesmo assim, o processo não foi homogêneo, criando diferenciações entre os produtores que tem e, os que não tem acesso livre ao crédito, a aquisição de novas terras e maquinários.

      No Brasil, ao longo do século XX, ocorreram inúmeras mudanças sociais. Inicialmente, temos a migração da população rural para as cidades, sendo que por volta de 1940, 70 % das pessoas estavam na zona rural e, hoje, esse número praticamente inverteu-se. Outro fato marcante é que, devido a Plantation de exportação as zonas das grandes lavouras estavam quase isoladas umas das outras, com saída apenas para o Mar.

 

Essa segmentação do território nacional em diferentes regiões, mais voltadas para um porto de exportação do que interligadas por uma malha de sistemas de transporte e de comunicações, fornece uma imagem adequada da diferença que havia entre o território nacional como um “arquipélago”, cujas ilhas constituídas pelas diferentes áreas de grandes lavouras ou mineração, e esse mesmo espaço físico após a implantação do parque industrial entre as décadas de 1930 e 1980, visto como um “continente”. ( GARCIA, 2001, p. 38 )

 

      Porém, essas Plantations não estavam completamente isoladas, pois, no caminho do escoamento da produção ergueram-se cidades que concentraram os portos e as riquezas daquela economia. Essas cidades portuárias ligavam-se as de menor porte por rios, trilhas e estradas carroçáveis. A mestiçagem da população é atrelada por Garcia ( 2001 ) à poligamia dos senhores da época e, a subordinação da moral católica aos desejos desses senhores de escravos.

      A crise no mundo rural associada a industrialização no Brasil passa a mudar os rumos da evolução da sociedade brasileira ao longo do século XX. A influente sociedade aristocrática rural passa pouco a pouco a perder terreno para a burguesia urbana. Conseqüentemente, com a concentração da população nas cidades, estas, passam a não ser mais subordinada a grande lavoura, mas sim, coordenarem a economia e atrelarem a vida rural ao seu modo de vida. Com a industrialização, essas cidades passam ainda a terem uma dinâmica própria, cada vez menos dependente da economia rural.

      O domínio rural no Brasil, sempre esteve intimamente ligado a economia colonial subordinada aos centros internacionais. A longevidade dessa forma tradicional, deve-se a infinidades de arranjos de controle de preços, sendo, um dos principais a mão-de-obra sob a forma de moradores, o que, permite que em caso de baixa de preços dos produtos da Plantation, os trabalhadores se dediquem a produção de subsistência. Outra característica é a complementaridade entre os períodos de maior trabalho na lavoura comercial com o período de menor trabalho nas culturas de manutenção,  além dos supostos contratos morais de vontades entre dono e trabalhador, onde este último adquire uma dívida de gratidão e fidelidade que ultrapassa o valor dos bens utilizados para sua subsistência.

      Com a substituição do sistema de trabalhadores/moradores pelo sistema de assalariados, agora residentes nas periferias das cidades e, denominados “bóias-frias”, o custo da mão-de-obra subiu muito, fato que, contribuiu para acelerar o uso da tecnificação na lavoura. Outro fator que possibilitou a existência da Plantation, foi os instrumentos de política econômica, como o Instituto Brasileiro do Café, que promoveu a garantia do ressarcimento das perdas dos cafeicultores pelo governo durante a Crise de 29. Essa política, segundo Celso Furtado, provocou de maneira não intencional a industrialização por substituição de importações, já que, durante a crise ausentaram-se as divisas das exportações que cessaram.

      A migração da população do meio rural para o urbano, deve-se a alguns fatores como: a evolução desfavorável obtida pelas lavouras comerciais, a possibilidade de emigrar em massa para às metrópoles que se industrializavam rapidamente desde a década de 30 e, a implantação dos novos direitos trabalhistas, que só teve sucesso nas cidades, visto a oposição da aristocracia política rural, atraindo portanto, os trabalhadores rurais para as cidades. Outros fatores foram os ligados ao término do sistema em que o trabalhador morava na fazenda, que fez com que este migrasse para a periferia empobrecida das cidades. Para aumentar a exclusão social, as políticas dos governos militares contribuíram muito, já que, promoveram a expansão das fronteiras agrícolas no centro-oeste e no norte, baseadas na grande propriedade de grandes empresários rurais. Nesses locais, os governos militares instauraram o mesmo sistema excludente e explorador, tanto da mão-de-obra quanto dos recursos, implantado pelos portugueses no Brasil-colônia. A Reforma Agrária que teria seu início com Tancredo Neves, foi sufocada após sua morte, tendo lamentavelmente apenas como peso em favor dela, atualmente, o MST.

 

REFERÊNCIAS:

 

ANDRADE, M. C. de. Espaço agrário brasileiro: velhas formas, novas funções, novas formas, velhas funções. São Paulo, GEOUSP – Espaço e Tempo, n° 12, p. 11-19, 2002.

ANDRADE, M. C. de. O processo de modernização agrícola e a proletarização do trabalhador rural no Brasil. Rio Claro, Geografia, v. 3, n° 5, p. 31-41, 1978.

BRUMER, Anita. Transformações e estratégias produtivas na produção familiar na agricultura gaúcha. Porto Alegre, Cadernos de Sociologia, v. 6, p. 89-111, 1994.

DIAMOND, Jared. O mundo como um polder: o que isto representa para nós atualmente?. In: Colapso – como as sociedades escolhem o fracasso ou o sucesso. Rio de Janeiro: Record, 2005. p. 581-627.

FURTADO, Celso. O problema da mão-de-obra. In. Formação Econômica do Brasil. São Paulo: Ed. Nacional, 1980. p. 117-141.

GARCIA, A. e PALMEIRA, M. Transformação Agrária. In: SACHS, I.; WILHEM, J.; PINHEIRO, P. S. (Orgs.) Brasil um Século de Transformações. São Paulo: Companhia das Letras, 2001. p. 38-77.

HIRANO, Sedi. Capitalismo e pré-capitalismo: a formação do Brasil colonial. São Paulo: Hucitec, 1988. p. 13-65.

PRADO Jr. Caio. Grande Lavoura. Agricultura de subsistência. In. Formação do Brasil Contemporâneo. São Paulo: Brasiliense, 1999. p. 130-168.

SZMERECSÁNYI, Tamas. Escravismo – trabalho livre. In. Pequena História da Agricultura no Brasil. São Paulo: Contexto, 1990. p. 29-48.

 

 

 


quarta-feira, 10 de julho de 2024

A CRISE NO SISTEMA DE ABASTECIMENTO DE ÁGUA EM CANGUÇU - RS (2007)

 

A CRISE NO SISTEMA DE ABASTECIMENTO DE ÁGUA EM CANGUÇU - RS

 

Juliano de Moraes de Aguiar[1]

 

 

RESUMO:

 

Trata-se de um estudo de caso, em que é feito uma análise e caracterização dos principais fatores que levam à escassez de água na cidade de Canguçu/RS. Para isso, são avaliados os aspectos fisiográficos, como é o caso da hidrografia local; se a gestão e os investimentos em melhorias e ampliação na captação e distribuição de água, por parte do órgão responsável pelo abastecimento, são ineficazes e insuficientes e; se devido as vocações econômicas agropecuárias do município, as autoridades municipais, nas últimas décadas, não tiveram a devida e necessária preocupação em aperfeiçoar e ampliar o sistema de abastecimento de água em Canguçu.

 

PALAVRAS CHAVE:

 

Geografia Econômica - Canguçu/RS, Água – Escassez, Água – Administração

 

ABSTRACT:

 

This is a case study, in which an analysis and characterization of the main factors that lead to water scarcity in the city of Canguçu/RS is carried out. To achieve this, physiographic aspects are evaluated, such as local hydrography; if the management and investments in improvements and expansion in water collection and distribution, by the body responsible for water supply, are ineffective and insufficient and; Due to the municipality's agricultural economic vocations, the municipal authorities, in recent decades, have not had the necessary and necessary concern to improve and expand the water supply system in Canguçu.

 


 


[1] Discente do Curso de Pós Graduação em Geografia da Universidade Federal de Pelotas, 2007.

Correspondência – Rua: Ernesto Manke, 87 – Bairro Triângulo – Canguçu/RS.  

E-mail – aguiarjuliano@yahoo.com.br



1 – A Problemática da Escassez de Água em Canguçu

 

      A água potável, atualmente, é vislumbrada como um bem indispensável à manutenção da vida, não podendo, em hipótese alguma, ser coibido o direito ao uso e gozo do líquido em seu estado natural, ou seja, insípida, inodora e incolor, sob pena de infringência do princípio máximo elencado na Carta Magna de 1988 que é o direito à vida.  

      Tendo em vista o alto grau de dependência do homem ao recurso natural água e, a freqüente problemática anual de estiagem com conseqüente desabastecimento de água para a população no Estado do Rio Grande do Sul, principalmente, no município de Canguçu, o objetivo deste trabalho é analisar e caracterizar quais os principais fatores que contribuem para a escassez do líquido nessa cidade. A muitos anos que a população reivindica melhorias e ampliação na captação e distribuição de água para Canguçu. É comum entre os cidadãos apontar a escassez de água como o principal fator criador de obstáculo ao crescimento e desenvolvimento da cidade. Segundo os moradores locais, muitas indústrias deixaram de se instalarem em Canguçu porque a cidade não fornece água em quantidade mínima exigida para o funcionamento das indústrias e fábricas. A falta d` água nessa cidade, além de dificultar a vida diretamente dos moradores, cria outro problema social, indiretamente, ou seja, gera obstáculos a criação de empregos e geração de renda que permita o desenvolvimento social.

     Além de identificar as principais variáveis que levam Canguçu a ter um abastecimento ineficaz, foi dado ênfase na questão da averiguação de  possibilidades e potencialidades de se implantar projetos de ampliação e/ou analisar projetos existentes de melhoria da captação, produção e distribuição do líquido na cidade, com o intuito de contribuir para o esclarecimento e solucionamento do problema.

      Em síntese, dado a importância vital da água para a sobrevivência das populações humanas e, a problemática do racionamento quase que anual do líquido na cidade de Canguçu, o presente trabalho contribui para o fortalecimento de uma tomada de consciência que tenda a conceber a escassez de água como um problema de urgência máxima. E que, além disso, deve merecer das autoridades competentes, da população e órgãos privados um cuidadoso processo de união de esforços no sentido da ampliação da capacidade produtiva, da preservação dos mananciais hídricos responsáveis pelo fornecimento de água e, do uso racional em residências, instituições públicas, comerciais, etc.

      Para a obtenção de dados foram utilizados dois procedimentos: pesquisa documental e pesquisa bibliográfica. Além dos dois procedimentos, também foi feito um levantamento fotográfico nas represas para melhor ser visualizado o problema.

      Por meio da pesquisa documental foram extraídos dados de fontes primárias e secundárias, tais como: dados bibliográficos, estatísticos, pesquisas e material cartográfico, arquivos oficiais, registros em geral, etc; que foram o ponto de partida para o prosseguimento da pesquisa, inserindo o trabalho dentro da problemática estudada.        Foram visitados órgãos públicos e instituições que são competentes a produção de água potável na cidade de Canguçu para a obtenção dos documentos necessários.

      A revisão bibliográfica foi muito importante para esta pesquisa, já que, teve como função dar suporte e base para a interpretação dos dados, bem como, orientar possíveis indagações. Foi por meio do confronto dos conhecimentos bibliográficos com os dados levantados que, a análise e interpretação dos mesmos pode ser melhor compreendida.

 

2 - Aspectos Geográficos e Hidrográficos de Canguçu

 

      O município de Canguçu está localizado na região denominada Serra do Sudeste, como parte do Escudo Cristalino Granítico Sul Rio Grandense, de formação no Período Arqueano da Era Pré-cambriana inferior, a cerca de 4,5 bilhões de anos, constituindo-se nos solos mais antigos do Estado e do Mundo, por ser basicamente formado de Rochas Magmáticas. Situa-se entre os Paralelos 30° 53’ 08” e 31° 40’ 20” de Latitude Sul e, os Meridianos 52° 14’ 23” e 52° 59’ 06” de Longitude Oeste, possuindo uma altitude de 420 metros na sede municipal. Onde se ergue a cidade Canguçu, registram-se as maiores altitudes do município e da Serra dos Tapes, que dão ao local a característica de um nó orográfico divisor de águas onde possuem nascentes os cursos d’ água que deságuam e formam parte das bacias dos rios Piratini, a sudoeste; Camaquã, ao norte e, arroio Pelotas e Lagoa dos Patos, a leste. A localização da zona urbana no ponto mais alto do município é um fator determinante para a escassez de água, uma vez que, as nascentes localizam-se muito próximas da cidade, onde os arroios tem uma vazão relativamente pequena. Essa localização da cidade deve-se a um fato histórico, explicitado por ( BENTO, 1983 ), em que, a antiga área escolhida  para a zona urbana na localidade de Canguçu Velho, que tinha água em abundância para uma grande população, foi substituída pelo atual local devido a fatores políticos e religiosos, pois, a população se deslocou para o atual sítio urbano atraída pela localização da Igreja Nossa Senhora da Conceição, que ali foi instalada, devido a doação daquela faixa de terra para a Igreja, por dois Sesmeiros que disputavam o local e, solucionaram o conflito desta forma.

      A Hidrografia do município apresenta-se assim: dois rios com nascentes em outros municípios e, diversos arroios que cortam o município nas diversas direções, partindo das nascentes que ficam próximo a cidade, onde é o local de maiores altitudes da Serra dos Tapes e, divisor de águas do município, para a direção da Lagoa dos Patos, a leste e, as duas bacias formadas pelos dois rios, ao norte e ao sul, conforme mapa da hidrografia do município.

 

         Figura 1:  Mapa da Hidrografia do Município de Canguçu

        Fonte: Secretaria Municipal de Meio Ambiente, Planejamento e Urbanismo;


3 – A Organização do Sistema de Abastecimento de Água

     

      O abastecimento de água tratada e encanada em Canguçu, começou a vigorar em 1965, porém, desde cerca de 1960 já estava instalada na cidade a Hidráulica, antiga denominação da CORSAN.

      A primeira barragem de captação utilizada foi a da Olaria, que represa as águas do arroio da Olaria ainda no perímetro urbano atual, no bairro Prado a cerca de 1 quilômetro do centro da cidade e, tem um volume d` água estimado em cerca de 16.000 m3. Essa represa já existia em forma de açude e era utilizada e aproveitada pela população para a retirada de água antes mesmo da instalação da Hidráulica, devido ao fato de, as cacimbas não abastecerem a todas as residências e secarem em épocas de estiagem. No entanto, a represa fica localizada na cabeceira do arroio da Olaria ( Figura 4 ) e, este, que já tinha capacidade de vazão reduzida, foi sendo aos poucos afetado pelo crescimento da cidade de forma a ficar em um nível elevado de assoreamento, encontrando-se, na atualidade, reduzido a um pequeno córrego, como pode ser observado na ( Figura 2 ). 


                                Figura 2 : Arroio da Olaria atualmente

                                Fonte: Elaborada pelo autor


      Além disso, outro problema com relação a este reservatório hoje, é a localização, que preocupa autoridades e a população. A represa da Olaria já encontra-se situada dentro da cidade ( Figura 3 ), devido ao crescimento da área periférica e, recebe despejos de esgoto que escapam das tubulações próximas comprometendo a qualidade da água.


                               Figura 3: Represa da Olaria no Bairro Prado

                               Fonte: Elaborada pelo autor


      A cidade foi crescendo, no decorrer dos anos e, a demanda pela água aumentando, desde muitas décadas passadas, em contraste com a capacidade da represa da Olaria que foi diminuindo com o gradual processo de assoreamento da represa e do arroio da Olaria de reduzida capacidade.

      Foi aí que atendendo ao princípio de melhoria e ampliação da capacidade de captação e oferta de água e, a cláusulas de contratos que estipulavam esses princípios como direitos dos cidadãos de terem mantido o acesso a água potável em quantidade e qualidade mínima necessária, foi construída no início da década de 1980 e, inaugurada em 15 de março de 1984 a represa do Moinho. A barragem recebe as águas do arroio Moinho e/ou Pelotas, a uma distância consideravelmente pequena de sua nascente conforme ( Figura 4 ) e, possui cerca de 3 hectares de espelho d` água, localizando-se a uma distância de cerca de 4 quilômetros ao nordeste do centro da cidade.


     Figura 4: Mapa da hidrografia do entorno da cidade e da localização das represas


      Com o assoreamento do arroio da Olaria e a construção da represa do Moinho, a antiga represa da Olaria passou a funcionar como um grande reservatório natural, já que o arroio da Olaria encontra-se quase extinto, principalmente em épocas de estiagem. A água é transmitida da represa do Moinho para a da Olaria por meio de uma estação elevatória composta por 2 grupos motor/bomba de 100 Hp, com vazão média de 43 l/s e rede adutora de 200 mm de diâmetro, sendo 2000 metros de ferro fundido e 1000 metros de cimento amianto. ( SEBRAE, 1999 )

      Da represa da Olaria a água é novamente bombeada até a ETA, localizada na Avenida 20 de Setembro entre as ruas Cel. Leão Silveira Terres e José Albano de Souza no Centro. Da Olaria até a ETA a água é bombeada através de estação elevatória e 2 grupos motor/bomba de 50 Hp, com vazão média de 40l/s e rede adutora de 150 mm de diâmetro, sendo 966 metros de ferro fundido e 115 metros de cimento amianto. ( SEBRAE, 1999 )

      As duas estações reservatórios são acionadas por energia elétrica, devido ao fato de a cidade localizar-se no topo da Serra dos Tapes e, portanto, estar numa altitude mais elevada em relação as represas. Essa dependência da energia elétrica para o bombeamento da água também gera transtornos, pois, em caso de falta de energia, cerca de aproximadamente 2 horas depois, a cidade também fica sem água, por não haver como bombeá-la das represas.

      O sistema de abastecimento da cidade de Canguçu é composto por 5 reservatórios de armazenagem de água, conforme ( Tabela 1 ) e, possui uma Rede Geral de Distribuição com comprimento de 59.829 metros, sendo, 51.300 metros de PVC, 5.700 metros de cimento amianto e, 2.829 metros de distribuição precária. ( SEBRAE, 1999 )

 

Tabela 1: Sistema de Armazenagem de Água de Canguçu, 1998

LOCALIZAÇÃO

CAPACIDADE M3

N° DE ECONOMIAS

%

ETA

500

2624

44,08

Vila do Céu

250

1445

24,27

Vila Teixeiras

50

1070

17,97

Centro

10

214

3,59

Vila Nova

250

600

10,08

TOTAL

1060

5953

100

Fonte: BOEMEKE, L. R. S. apud SEBRAE, 1999

 

      Contudo, no decorrer do processo de crescimento e evolução de Canguçu, assim como a represa da Olaria deixou de atender a demanda de água, hoje, a represa Olaria e Moinho juntamente já não dão conta de suprir as necessidades quantitativas do líquido, principalmente nos períodos de estiagem do verão, o que, ocasiona a problemática do racionamento de água na cidade.

      Nos últimos três anos, em que o Estado do Rio Grande do Sul foi assolado por severas estiagens, os moradores de Canguçu convivem com os freqüentes racionamentos ocasionados pela escassez de água.

      A CORSAN trabalha com uma vazão média de 50 litros por segundo, o que, equivale a 180 m3 por hora. No entanto, a produção em períodos de estiagem é reduzida devido a baixa no nível de água das represas.

      Segundo a CORSAN, durante o ano a demanda de água na cidade oscila de acordo com o período e as estações do ano. No inverno, quando as estiagens prolongadas não ocorrem devido ao aumento dos índices pluviométricos, a demanda na cidade gira em torno de 2800 m3 por dia. Entretanto, no verão, quando as estiagens provocam a baixa nos níveis de água das represas, o consumo aumenta para 3200 m3 por dia.

      Essa razão inversa consumo/oferta de água, no decorrer do ano acarreta na escassez extrema durante os períodos prolongados de estiagem no verão. Quando os níveis das barragens atingem índices muito baixos, a CORSAN toma algumas medidas emergenciais para equilibrar o consumo com a disponibilidade de oferta dos reservatórios.

      A primeira medida dramática tomada pela CORSAN e, contestada pela população, é o racionamento de água. Nos últimos três anos esta prática foi adotada para minimizar a situação caótica de falta de água nos reservatórios. Os racionamentos ocorreram nos meses de março/abril de 2004, março de 2005 e fevereiro de 2006.

      Nos anos de 2004 e 2005, a CORSAN adotou a prática de rodízio de setores de abastecimento. Nesse sistema a água era fornecida durante 6 horas em cada bairro por dia. O sistema não deu certo porque na periferia da cidade a água só chegava até as residências nas últimas horas destinadas ao abastecimento daquele bairro devido ao terreno acidentado e, as vezes não chegava, obrigando os moradores a adquirir a água do caminhão pipa da CORSAN e gerando, divergências e descontentamentos.

      Já no período de racionamento de 2006, de duração de 10 dias, a CORSAN adotou outra forma de distribuição. Além dos caminhões pipas que distribuíam água para creches, escolas e, também para a população, a cidade foi dividida em cidade alta e baixa, de acordo com a topografia e, a água foi fornecida um dia para cada parte, alta/baixa. O novo modelo visou distribuir melhor a água para todos os bairros durante o racionamento evitando descontentamentos.

      Além do corte da água por meio do racionamento, a CORSAN também passa a não trabalhar com os reservatórios cheios, para diminuir a pressão da água e o consumo em épocas de estiagem. A produção diária em época de racionamento cai dos 3200m3 normais para o verão, para 1300m3 à 2500m3. ( CORSAN, ETA/Canguçu, 2006)

      Outra medida emergencial feita, é o transporte de água bruta de açudes de propriedades das imediações da cidade, para a Estação de Tratamento objetivando o desabastecimento total. Além disso, a CORSAN represa córregos ( Figura 5 ) das imediações da represa Moinho e, passa a bombear a água para dentro da represa para ajudar a evitar a falta total de água, já que, poços artesianos foram feitos, mas sem sucesso, devido a pouca água existente no subsolo granítico.

 

                           Figura 5: Represamento emergencial feito em um córrego

                           Fonte: Elaborada pelo autor


      As causas que ocasionam a escassez e, o conseqüente racionamento de água em Canguçu, segundo a CORSAN, são: 1) a estiagem; 2) os mananciais de pequeno porte; 3) a construção de açudes na zona rural próximo as nascentes que afetam as represas retendo boa parte da água que iria ser represada.

      No entanto, neste cenário de falta d’ água, ocorre uma situação definida a seguir que contrasta com a realidade e, remete a busca pelas variáveis que levam a escassez, ao questionamento das causas apontadas pela CORSAN. Trata-se de estimativas da própria Concessionária, em que, constam dados de diminuição da demanda de água na cidade no período de 2001 à 2006. Essa queda na demanda foi ocasionada, provavelmente, segundo à CORSAN, pelo aumento da instalação de hidrômetros nas residências que, passou de cerca de 40% de casas com o aparelho instalado em 2001 para aproximadamente 100% em 2006, o que, inibiu o consumo a partir da emergência do ônus proporcional ao gasto, aliado, às melhorias nas redes de canalização que reduziram perdas de água. Entretanto, mesmo com a diminuição da demanda nos últimos anos, a escassez a os racionamentos de água aumentaram em razão inversa ao consumo que diminuiu, fato que, põe em dúvida as explicações dadas pela Concessionária à respeito do fator causador da escassez extrema de água em Canguçu.

      Ao analisar mais profundamente o caso, verifica-se que a gestão da captação e abastecimento de água para a cidade, feita pela CORSAN, tornou-se incompatível com as necessidades da crescente população urbana canguçuense.

      É sabido, que o município tem a responsabilidade pela prestação dos serviços públicos diretamente ou sob regime de concessão ou permissão. Entretanto, os serviços de abastecimento de água de Canguçu, são feitos pela CORSAN sob regime de concessão da Prefeitura Municipal, mediante Contrato de Concessão de acordo com a Lei Orgânica Municipal.

      Sendo assim, as responsabilidades pelo adequado fornecimento de água potável passam a ser da CORSAN, uma vez que, através do contrato celebrado com o município, estão dispostas cláusulas referentes aos direitos e obrigações da Concessionária, na exploração dos recursos hídricos e na ampliação da captação e fornecimento de água de maneira equilibrada, que atenda as necessidades da população e, que gere a remuneração devida a Concessionária nos termos da lei.

      O Contrato de Concessão vigente, data de 1996 e tem validade de 20 anos. Neste, o município de Canguçu concede a exploração dos serviços de abastecimento de água e, de execução de obras de ampliação e melhorias dos respectivos serviços, da área urbana de Canguçu, para à CORSAN.

      Dessa maneira, às obrigações da Concessionária estão explícitas na Cláusula Sétima, Incisos I ao X do Contrato de Concessão de 1996. Essas obrigações, visam a atender algumas necessidades da população e do município. Dentre as obrigações da CORSAN destacam-se: ações que objetivem o equacionamento e o solucionamento, de forma satisfatória, dos problemas referentes ao abastecimento de água; a garantia do funcionamento adequado e da continuidade dos serviços que atendam ao crescimento vegetativo da população, promovendo, para isso, as ampliações necessárias de acordo com os objetivos e normas gerais dos planos oficiais de saneamento e viabilidade econômica-financeira dos investimentos; estudos que permitam enfrentar o sistema de saturação do sistema de abastecimento de água, com data prevista para o ano de 1997. O município, fica obrigado pelo Contrato, a participar com o percentual de 25% dos custos com obras de ampliação e melhoria no sistema de abastecimento de água.

      Contudo, hoje, após cerca de 10 anos da firmação do Contrato, instalou-se um impasse entre a Prefeitura Municipal e a CORSAN. Ficou claro, através da análise do Contrato de Concessão, que a responsabilidade pelo adequado fornecimento de água na cidade de Canguçu está a cargo da CORSAN. Porém, as obras de ampliação e melhoria no abastecimento de água, de competência da Concessionária, são insatisfatórias e não atendem às necessidades da população, segundo o Governo Municipal. Ademais, a CORSAN não cumpre com o compromisso de melhorias e ampliação do abastecimento, firmado no Contrato de Concessão de 1996, o que, levou a Prefeitura Municipal a ingressar na justiça em setembro de 2005, pedindo a observância às Cláusulas Contratuais por parte da Concessionária.

      O sistema de captação de água está saturado e, necessita de urgente ampliação para que os racionamentos sejam erradicados da cidade. Segundo o Governo Municipal, desde a construção da represa do Moinho, em 1984, que a CORSAN não investe significativamente em melhorias e aumento da capacidade produtiva de água, o que, levou o sistema de abastecimento ao atual colapso e ineficácia. Atualmente, nem mesmo o desassoreamento das represas é feito para aumentar a capacidade de acúmulo e, a retenção de água no inverno, com exceção do reservatório da Olaria, que foi desassoreado no verão de 2006, provocando polêmica quanto à época escolhida para a realização da obra, já que, a estiagem estava prejudicando o município e, a qualidade da água foi alterada pela obra segundo os moradores locais.

      A represa do Moinho, atualmente, também encontra-se assoreada ( Figuras 6 e 7 ), fato que limita drasticamente a capacidade de acúmulo e retenção de água diminuindo o volume total represado.


                      Figura 6: Represa do Moinho de Canguçu

                      Fonte: Elaborada pelo autor


                       Figura 7: Assoreamento na barragem Moinhos

                       Fonte: Elaborada pelo autor


      Além de encontrar-se assoreada, a barragem Moinhos tem um potencial que permite a execução de obras de ampliação da capacidade de armazenamento. O local onde a represa assenta-se é apropriado para, por meio de escavações, ser ampliado em largura e profundidade aumentando o volume acumulado, tendo em vista que, a barragem está bastante afetada pela sedimentação dos terrenos laterais que causam o assoreamento conforme ( Figura 7 ). 

      Além disso, um relatório técnico do Laboratório de Mecânica dos Solos da Faculdade de Engenharia Agrícola da UFPel, fez as seguintes observações  a respeito da barragem Moinhos: ( Anexo do Ofício 001/2006 GP, enviado pela Prefeitura Municipal ao Governador do Estado em 02/01/2006 ).

1)    a bacia de captação da barragem Moinhos possibilita o extravasamento de água durante o período de prescipitações pluviométricas significativas;

2)    o arroio próximo a chegada à barragem Moinhos mantém uma vazão mínima relativamente significativa, mesmo em períodos de estiagem.

O extravasamento mencionado, é facilmente perceptível no local, pois, na parte destinada a saída do excedente de água, que pode ser visualizada na parte esquerda da ( Figura 7 ), encontra-se um processo de grande erosão no arroio logo ao final da parte pavimentada que, demonstra que em épocas de chuvas significativas, grandes quantidades de água são desperdiçadas.

Portanto, é  viável e aplicável a baixo custo um aumento na capacidade de retenção da barragem, já que, o arroio Moinho possui vazão significativa e suficiente e, a base da represa já está pronta, permitindo que projetos de engenharia sejam adicionados para aumentar  a capacidade da represa atual, melhorando a curto prazo o problema da falta d` água na cidade.

Ainda como sugestão, o relatório anteriormente mencionado, propõe a escavação da barragem, próximo a ombreira direita de modo a preservar o cotovelo do arroio e, impedir a entrada de materiais em suspensão na captação da água. Esta proposta, também menciona que o material extraído pode ter outros fins, como por exemplo, pavimentação de vias, sendo portanto, ambientalmente correto por evitar a exploração de outros locais. 


      CONCLUSÃO

 

      Em Canguçu, este trabalho identificou que o problema com relação à escassez e falta de água, não é apenas atual, mas sim histórico e, está atrelado ao próprio desenvolvimento da cidade.

      Os aspectos geográficos demonstraram que, o município de Canguçu possui recursos hídricos com potencial para abastecer a toda a população, assim como, ao distrito industrial que encontra-se pouco desenvolvido. A cidade, encontra-se cercada por vários arroios, localizados em distâncias não muito grandes do centro urbano, assim sendo, este trabalho comprovou que uma das hipóteses iniciais que antecederam esta pesquisa, de que o município não dispunha de recursos hídricos com possibilidades viáveis de captação e distribuição, não se confirma. Os arroios situados próximos a cidade, principalmente o Moinho e/ou Pelotas, oferecem potenciais de aumento e ampliação na capacidade produtiva de água na represa, assim como a construção de outra represa ao longo de seu curso, para abastecer não só a uma população superior a já existente na cidade, mas também, a indústrias e fábricas que podem vir a instalarem-se no município com a melhoria e ampliação da oferta de água.

      A análise da gestão da água no município, demonstrou que a captação e distribuição de água para a cidade, está sob a responsabilidade da CORSAN por meio de um Contrato de Concessão celebrado com o Município. Ao longo do texto, também foi exposto que a Concessionária não está realizando um fornecimento de água de maneira adequada e, que atenda às necessidades mínimas da população canguçuense. Assim como a represa da Olaria deixou de atender a demanda de água no passado, hoje, a represa Olaria e Moinho juntamente já não dão conta de suprir as necessidades quantitativas do líquido, principalmente nos períodos de estiagem do verão, o que, ocasiona a problemática do racionamento de água na cidade. A cidade cresce, a população aumenta, enquanto que, desde 1984 quando foi inaugurada solenemente a represa Moinhos, à CORSAN não investe maciçamente em melhorias e ampliação da capacidade de represamento e captação de água para a cidade. Este fato, aliado ao elevado nível de assoreamento da represa atualmente, confirma às premissas iniciais desta pesquisa de que a Concessionária não investe o suficiente para solucionar, de maneira equilibrada, os problemas referentes a escassez e falta de água para a cidade de Canguçu.

      No que refere-se ao município, as primeiras ações para a melhoria no abastecimento de água, foram tomadas quando da concessão dos serviços para a Concessionária Estatal, cujo reconhecimento é tido em todo o Rio Grande do Sul. Além disso, as ações que reivindicam o cumprimento do Contrato de Concessão pela CORSAN, tem sido tomadas, chegando ao extremo de a Prefeitura Municipal ter que ingressar na justiça reivindicando o cumprimento do referido Contrato. Essa divergência entre CORSAN e município, aponta que este último está realizando o seu dever, cobrando melhoras e ampliações no sistema de abastecimento de água da cidade. Este fato, descarta as suposições iniciais anteriores à realização desta pesquisa, de que, as autoridades municipais não estariam dando a devida atenção para o problema da escassez e falta de água em Canguçu.

 

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